NEFELIBATA
Edison Veiga Junior

Quando era criança gastava meu tempo imaginando explicações para o funcionamento do mundo. O vento eram árvores constipadas que viviam espirrando, a chuva eram anjos lavando o céu e o pôr-do-sol era quando aquelas montanhas que via lá no horizonte abriam a garagem pra que o astro-rei pudesse entrar, descansar e dormir o repouso merecido.

Morava em um sítio e minha maior diversão era cuidar de uma fazendinha em miniatura que montava com estradas de barro, cavalinhos de chuchu, bois de batata e... 

- Menino! Quantas vezes já te falei pra não brincar com comida? É pecado, meu filho... - era minha mãe saindo da cozinha com colher de pau em punho, dando pela falta dos vegetais separados para o almoço. 

Gostava mesmo era do céu. Na verdade, nutria uma secreta paixão pela imensidão que sabia infinita do céu, aquele azul-celeste que só naquela época distante da poluição havia. Construia pipas coloridas mas na realidade empiná-las era apenas pretexto para adorar o céu. Pensava que o céu devia ser feito do mesmo papel com que se envolviam as maçãs nas feiras de domingo, quando íamos para a cidade assistir à missa. Padre Bento sempre falava do céu, mas o seu céu não era igual ao meu céu. Eu tinha certeza que o seu céu era mais monótono do que o meu céu, Deus que me desculpasse pela heresia, se heresia havia. 

- Esse menino deve ter problema na cuca, vive com a cabeça no mundo da lua, tadinho!

Quando Neil Armstrong pisou na lua não tínhamos televisão. Ainda era o tempo em que passávamos as noites de calor contando estrelas e as de frio contando causos em volta de uma fogueira crepitante. Não tínhamos televisão, essa deusa azulada que reina pra súditos mudos na sala. 

Lembro-me que meu pai voltou da cidade, onde tinha ido fazer compras:
- Tão dizendo que uns americanos estão lá na lua. Num boto fé, não! Lorota!

Naquela noite, sonhei lindamente que eu estava brincando com São Jorge na gravidade zero. Eu era o herói do espaço, falava inglês e tinha uma namorada loira me esperando na Terra. 

Então, olhei pra Terra. A Terra? A Terra era azul.

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