VESTIDO AZUL
Rita Alves

Apesar de todo o sucesso, Pedro estava em crise. Acordava todos os dias às seis e meia da manhã, tomava um banho demorado, devorava seu café tranqüilamente e corria para o computador para ler as últimas manchetes do mundo. Depois de todo o ritual, sentia-se preparado para enfrentar mais um dia de trabalho frenético numa grande agência de propaganda. Sabia que a partir do momento que colocasse seus pés na empresa onde trabalhava, toda a paz ficaria do lado de fora. Tinha um cargo de comando e era respeitado, mas pagava um alto preço. Não tinha paz. Nenhuma decisão era tomada sem que ele fosse consultado. Aos poucos foi se tornando mais um mortal estressado, o que o salvava era o objeto de prazer que ele tinha encontrado para descontar toda a sua ira: a secretária.

Dona Carmina era um tipinho esquisito. Amarrava lenços coloridos na cabeça, usava piercing no nariz e em outros lugares que ele nem se atrevia imaginar. Quando sobrava alguns segundos do seu tempo, conseguia observar melhor e com mais atenção a sua secretária. Num desses dias é que pode perceber que debaixo da camiseta branca sem sutiã existiam piercing´s nos mamilos. Não raro ele se flagrava pensando nos mamilos da Dona Carmina, nas mechas roxas daqueles cabelos lisos e escorridos, naquele jeito estabanado... Então ele berrava seu nome, ela abria a porta esbaforida e invadia a sala com os olhos castanhos arregalados e assustados. Era difícil pra ele controlar o riso. Depois de ditar tudo que deveria ser feito, a dispensava sem olhar ao menos para o seu rosto. Gostava mesmo era de olhar quando ela saía da sua sala. A calça larga escondendo as curvas e mostrando as tatuagens.

Pedro chegava em casa depois das dez da noite, tomava um banho e deitava na cama, exausto. Não conseguia mais dormir tranqüilamente, a única coisa que tinha em mente era a Dona Carmina! 

Não demorou muito e começou a achar que estava apaixonado. Tal consciência do fato o deixou mais irritado com a Dona Carmina, que passou a ser ainda mais alvo dos seus gritos e mau-humor. A cada dia seu comportamento piorava e a paixão aumentava. Foi difícil, mas tomou uma decisão: ou tirava férias ou demitia a secretária! Ter um caso com ela, jamais! Os motivos eram variados, ela não fazia o seu tipo, ela era esquisita, desengonçada e além do que, era sua secretária. Imagina ter um caso com uma mulher dessas no trabalho. Era perigoso demais. No fim, optou pelo menos trágico, todo aquele bando de chatos teria que se virar sem ele nos próximos trinta dias! Como todo chefe tem uma legião de puxa-sacos, seus funcionários resolveram fazer uma despedida de férias. Pedro aceitou, apesar de não concordar. Ele queria era se ver longe de todos eles o mais rápido possível. A última coisa que ele queria era uma confraternização. 

No seu último dia de trabalho antes das férias de Pedro, Dona Carmina vestiu-se para matar, pois percebia os olhares incautos do chefe. Estava de vestido azul com um decote generoso, as mechas roxas haviam sumido dando lugar ao tom natural dos cabelos, pintou os olhos discretamente. Ela sabia que o chefe a olhava com ar de cachorro louco, babando em cima dela. Ela odiava a histeria dele e seu ar arrogante, mas para ela tornou-se tão natural aquela gritaria toda que nem se chateava mais. Ela fazia cara de assustada para não dar impressão de total apatia e percebia o sorriso no canto dos lábios dele enquanto a olhava com ar triunfante. 

Quando Pedro chegou ao escritório naquela manhã, Dona Carmina, sabedora do ousado decote, abaixou-se para pegar um papel jogado no chão intencionalmente. Pode perceber o esforço inútil do chefe para não olhar para as suas pernas semi-abertas.

Depois do expediente, no bar, Pedro bebeu, brindou e festejou a tão sonhada liberdade! Dona Carmina chegou atrasada e sentou-se justamente ao lado de Pedro que começou a suar, tamanho era seu nervosismo ao se ver ao lado da moça, e o que era pior, as pernas dela roçavam nas suas. A certa altura já não sabia mais se estava bêbado ou se tudo aquilo realmente estava acontecendo. Na hora de ir embora, Pedro mal conseguia se levantar da cadeira. Dona Carmina, toda solícita ajudou o chefe com a maior boa vontade e levou-o para sua casa. 

Pedro acordou sobressaltado, com a cabeça latejando. Seus olhos não reconheciam aquele lugar. Em cima da cama havia um vestido azul e Pedro deixou-se cair na cama, estarrecido. Não conseguia se lembrar de nada, esforçou-se, mas foi em vão. Olhou com mais atenção para o vestido, segurou e sentiu o seu perfume. Era o perfume da Dona Carmina! Não conseguia entender como tudo tinha acontecido. 

Tentou acalmar-se, sentia-se embaraçado pela situação estranha, afinal, nunca tinha tomado um porre homérico desses, a ponto de não lembrar absolutamente nada! 

Procurou o banheiro e encontrou Dona Carmina estirada no corredor. Seu coração disparou e sentiu suas pernas estremecerem, mal conseguia ficar em pé. Encostou na parede e tentou chegar perto para tentar saber se ao menos ela estava viva, mas não conseguiu. Ele estava totalmente paralisado pelo medo. Pensou em se vestir e fugir, pegar suas coisas e sair correndo, simular um assalto ou pular da janela. Ficou ali, encostado, um turbilhão de emoções e pensamentos. No fim decidiu pegar as suas roupas e sair daquele lugar. No caminho arrependeu-se de ter abandonado o corpo dela ali e voltou ao apartamento. Dona Carmina estava sentada no sofá, com o mesmo vestido azul e com um sorriso irônico no rosto. Ao vê-lo, a moça teve uma crise de risos e Pedro, sentindo-se humilhado com a brincadeira absurda que ela tinha feito, avançou para cima dela, agarrando-a pelo pescoço. Depois que passaram alguns minutos é que pode perceber o que tinha feito. Dona Carmina estava morta e Pedro havia transformado a brincadeira em realidade.

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