COM A GRAÇA
Anna Carolina N. Fagundes

Vou lhes contar uma coisa. Eu sempre gostei de ir para a escola, quando era pequena. Claro, como toda criança normal, eu adorava as férias, os feriados e as greves do corpo docente, mas eu não tinha birra para ir para a aula. Gostava muito de ditados, das aulas de redação, das aulas de Estudos Sociais (acho que essa matéria nem existe mais), da Educação Física, de tudo.

Quero dizer... quase de tudo. Meus dois monstros particulares chamavam-se "aula de matemática" e "aula de artes". Você deve estar pensando: matemática, tudo bem - é um clássico do temor estudantil... Mas o que há para temer nas aulas de arte?

Bom, eu era uma criança desastrada. Qualquer coisa que envolvesse cola, tesoura, dobradura ou similares era um inferno. Em geral eu voltava para casa chateadíssima com a minha incapacidade de cortar um pedaço de papel em uma linha reta, colar coisas sem afixar meu cabelo ou meu uniforme junto, dobrar um papel para ficar como a professora mandava. Daí a achar que eu realmente era um desastre artístico, não demorou muito.

Quinze anos depois, quando me sugeriram a prática do origami - a arte japonesa de criar animais e flores a partir de dobraduras de papel, sem cortar nem colar nada - como técnica para contornar minha ansiedade, eu tive um ataque de riso. Eu adorava origamis, mas daí a ter a audácia de achar que ia conseguir aprender... Será que tinham esquecido o quão inapta eu era para as artes plásticas?

Foi aí que a menina de oito anos que um dia eu fui veio encher a paciência da mulher estressadíssima de vinte e um, dizendo que até que não seria má idéia tirar a cisma imposta nas aulas de artes. Por que não ver se era mesmo possível aprender a dobrar origamis? Afinal, não vale mais nota para passar de ano mesmo, e eu já tinha crescido o suficiente para saber não colar o cabelo junto do papel (ou pelo menos eu achava).

Convencida, fui até a Liberdade (bairro japonês de São Paulo que é quase minha segunda casa) entrei numa loja que eu conhecia e pedi ajuda às vendedoras - o que elas recomendavam, em matéria de origami, para dar de presente a uma "menina de oito anos"? A vendedora mais velha me passou um livro para crianças, e um pacote bem grande de papel espelho, já cortado em quadrados, próprios para dobrar.

(Papel espelho, eu achava, era aquele papel brilhante, cor de prata ou ouro, que o pessoal do primário usava para fazer coroas no teatrinho, ou enfeitar a sala para o Natal. Não era - aquele papel chama-se metalizado. Papel espelho é o papel normal para dobradura, colorido e fosco de um lado e branco do outro).

Lá fui eu para casa com o embrulho, pensando que tinha gastado dinheiro à toa. Uma vez instalada na sala, papel espelho à mão e livro aberto, procurei uma dobradura que fosse fácil de fazer. Achei um cisne. Fiz conforme as instruções - ficou até parecido com a ilustração e isso me animou. Fiz outro, ficou melhor. Depois um patinho, ficou engraçadinho. E depois um outro pato, que minha irmã achou que parecia uma baleia. Ei, isso era divertido!

E fui dobrando, comprando mais livros e mais papel. E percebi, um dia, que a imagem mudara. Acho que foi quando meu primo, de cinco anos, pediu para que eu dobrasse um sapinho que pulava, e disse que colecionava os origamis que eu fazia e ele recolhia. Ou quando as amigas da faculdade pediram, em uma aula particularemente tediosa, que eu dobrasse alguma coisa para elas.

E nesse dia, a menina de oito anos que eu fui deu uma gargalhada sonoríssima, tendo vencido a memória do desastre das aulas de arte, com a graça do papel espelho.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.