EU ESPELHO
Bruno Freitas

Todo dia pela manhã, não me olho no espelho, renuncio a possibilidade de escovar os dentes, e até esqueço de pentear os cabelos. Saio de casa esbaforido e sem graça. Quem sou eu não me lembro, onde estive nunca soube, pra onde vou ninguém saberá. O que fiz não me importa, e o que deixei de fazer, muito menos. 

Hoje estou como estive ontem, e ontem eu não sei. Vivi com a cabeça baixa para tudo na vida. Concordei com tudo que nunca quis e aceitei de forma pacífica tudo que me foi imposto contra minha própria vontade. A vontade que tive, foi embora e deixou no lugar os desejos de outros. Hoje estou como se estivesse ontem. 

Ontem estive como vivo hoje, por isso, não discuto, nem converso, sou pedra no fundo do poço, sou o musgo em cima da pedra. Hoje estive como ontem e assim por diante. O que mais quero não importa, ficou na lembrança do ontem que não tive. Minhas velhas memórias inalcançáveis, tornaram-se estranhas para mim. 

Faço tudo como um reflexo incondicional do que os outros esperam de mim. Reflito sobre o que eu penso ser, e o que outros pensam que sou - Mas eu não o sou. Sou menos do que posso, mas não posso ser mais do que sou... Deu pra entender? Nem eu.

Essa é a questão. Não entendo muito mais do que se há para entender. Desentender não posso, já que em todas as questões me ponho quieto e passivo. Hoje passo a entender muito mais de ontem, mas de que me adianta, se é amanhã que vou entender o hoje. 

As questões que tenho hoje são insignificantes, mas mesmo assim eu não sei responder. Respondo às questões alheias com maior tranquilidade que minhas próprias, já que a mesma resposta, sempre esteve impregnada dentro de mim. Respondo aos outros concordando com tudo o que foi dito e escrito. Nunca em minha vida ousei discordar de outrem. Sou o reflexo do que os outros vêm no espelho. 

Na verdade sou o próprio espelho que pela manhã me recusei a contemplar....

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