O ESTILO DO TIPO
Fernando Zocca

Era um sujeito branco aguado com a pele fina quase transparente. Não podia nunca suportar o calor excessivo e por isso evitava a irradiação solar com o máximo cuidado. Aquele ventre convexo era sinal de que, no comercio entre as entradas e saídas, as primeiras prevaleciam.

O rosto afogueado induzia logo ao pensamento de que a figura fabulosa, fazia uso constante da piribita. E o pensamento se consolidava, quando, depois que se chegava perto, absorvia-se os vapores que o tal exalava. 

O catinguento possuía uma barbearia já em vias de extinção. Era ali que passava a maior parte dos seus dias. O asseio era relativo ao que viam seus olhos embaciados. As tesouras, com resíduos dos cortes anteriores, proporcionavam uma estranha alquimia ao misturar caspa velha aos couros cabeludos novos. 

Os fiscais da vigilância sanitária distinguiam-no pela quantidade das queixas que, contra ele, chegavam à repartição. Eram inflexíveis, porém, nas recomendações freqüentes, que lhe faziam, para que evitasse, ao menos a transmissão da escabiose.

Por força dos seus dotes suasórios, junto aos que detinham o poder, arranjou um cargo numa seção pública municipal. Seu desvelo principal era de, no mínimo, não esquecer nunca o dia em que receberia os salários.

Assim, a prefeitura do município de Tupinambica das Linhas, tinha um caso raro de barbeiro que, por seus poderes, absolutos de convencimento, era também, nas horas de folga, funcionário público.

Quando candidatos aos cargos eletivos se achegavam do "tesoura d´ouro", a fim de assuntar as opiniões em voga, Zé Mário, diligente, vestia logo sua melhor camiseta, e lavando rapidamente a dentadura amarelecida, prestava seus bons ofícios e préstimos aos possíveis futuros patrões.

Sua mulher, um ser enorme e pálido, que mais lembrava uma baleia branca prenhe, ostentava aquele bundão terrível que induzia à memória dum porta-malas espaçoso. Ela fazia parte duma seita que tinha normas semelhantes aos da cosa nostra: oferecia opção de crença, mas os que não cressem, seriam aterrorizados e perseguidos pela comunidade, até que se mudassem.

Aquele pudim de banha ambulante tinha o hábito radicado de sentar-se à soleira da barbearia, logo depois da janta, no lusco-fusco do poente. E fofocava até o início da novela das oito, quando faceira, abandonava o mulherio indignado.

Cansada de ver o marido exdrúxulo, que não saia daquele ramerrão dos infernos, inventou uma simpatia obrigando-o a repeti-la todos os dias antes que botasse, ao levantar-se, os pés no chão. As orações deveriam ser feitas com os olhos fixos num espelho portátil, seguro pela mão esquerda. A direita deveria premer uma vela acesa. Eles criam, a partir das recitações, que as portas monstruosas, pesadas e reluzentes dos cofres bancários seriam todas abertas, e que seus conteúdos lhes estariam à disposição por juros de 4% ao ano. É mole?

Seu sogro tinha origem francesa. O doutor Paul Brema, sempre envolto numa áurea mágica e mística de fatores vários, contava com freqüência, a história dos seus ancestrais que vieram para o Brasil no brigue "L´Espoir" de Binot Paulmier que atracou em S. Vicente em 1504.

No trecho da rua em que moravam, podiam com uma esticadela no pescoço, divisar a casamata em que se escondia Luíza Fernanda, a fodida.

Estas são, em mal traçadas linhas, compostas com dedadas sôfregas no teclado ruim, dum computador cabralino, as noções sobre o perfil psicológico de uma das mais temerosas e encardidas figuras componentes da seita do pavão matusquela. 

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