PAI
Juraci de Oliveira Chaves

Assentado na porta da casa, esperava a noite chegar. Pegava o canivete, picava o fumo, cortava e lambia a palha, enrolava o cigarro e fumava. Brincava com a fumaça e assistia a primeira estrela nascer. Era assim o pai. Gostava do silêncio do firmamento. Horas e horas gastas em rever pensamentos, rever saudades. Seu chinelo arrastava no piso batido quando se dirigia ao quarto para dormir. Antes, uma olhada no amontoado de filhos para espiar se tudo em ordem. Tateava os rostos a mapear suas feições, a sentir o quente da febre. Esticava a coberta daquele exposto ao frio, até o queixo. Sempre havia frio naquelas cacimbas de águas cor de anil, tão perto da porta, palmeiras ao balanço do vento. A roça, ali mesmo, poucas passadas. Casa simples nascida entre mangueiras e o córrego molhando todas as parreiras. Jabuticabas em fartura. Mamões, bananas e laranjas divididos com os pássaros, ainda no pé. No pomar, muitas outras frutas de plantas enxertadas. Tudo isso era o seu orgulho e o seu exemplo, espelho para os filhos. Ensinava como lidar com a terra, com a natureza. Da sua carabina herdada do avô, só matava para o sustento da família. Era de pouca fala. Olhar tristonho que guardava a amargura de um amor traído. Não se podia trair o noivo ou fugir com outro, naquelas montanhas que jantavam sois. Coisa de honra de macho. Essa mágoa carregava. Nunca nos contou esta história mal-acabada. Vazou pela irmã da noiva fujona, agora, esposa.

Uma tarde, o pai debruçado sobre os joelhos, estava triste. A cauã com seu canto noturno escreveu negro na noite negra. Não gostava daquele canto vindo da árvore grande, lá na larga. Lia os sinais, escutava o tempo, analisava o vento, pressentia a partida precoce. Dia seguinte, da carabina, seu talismã, partiu a bala perdida que encerrou sua vida. Não teve um culpado, só a vítima. Foi um dia morno de sol grosso e embaçado, aquele.

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