BORBOLETEANDO
SEM CONVITE

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Era uma festa grande, para a qual não tinha sido convidada. Pelo menos não da forma que eu gostaria. Tive que ouvir um “aparece por lá” e dizer “não, obrigada, tenho compromisso sábado à noite”. Me fiz de difícil na hora, sabe-se lá a que custo. Mas não custou muito tempo para eu decidir que ia sim. Afinal, “aparece por lá” é um convite. Se a pessoa não quisesse que eu fosse teria dito “acho que não vou” ou “prefiro que você não vá” ou então não dissesse nada! Ora bolas, se comentou é porque convidou. Pobre coitado daquele rapaz, não sabia com quem estava lidando. Achava que me conhecia. Não sabia que eu, mulher apaixonada, inconstante e insana, seria capaz de aparecer numa festa da qual não fui convidada só para marcar presença, apenas para estar lá, só para conferir. O fato é que fui, peguei o carro e enfrentei a noite de São Paulo, atravessei a cidade. Antes, procurei pela melhor roupa no armário. Acabei na calça jeans e no casaco, pois era noite de frio, ainda mais lá no alto da montanha. 

Só sei que me convenci do convite que não tinha sido feito. Sei que fui, dei as caras na festa. E no caminho, cerca de uma hora e meia de estrada, conversei com a minha consciência, procurando uma forma de justificar a atitude impensada. Queria me convencer que estava fazendo a coisa certa. E na noite enluarada da estrada, passou rápido pelo carro uma borboleta branca, daquelas pequeninas que batem as asas bem ligeiras, afobadas para chegar não sei onde. Talvez elas perambulem a vida inteira para lá e para cá, talvez não cheguem em lugar algum. E como uma mulher supersticiosa que sou, levei a ferro e a fogo a aparição daquela borboleta no meu caminho. Dizem que dá sorte, fala-se por aí que é sinal de bons ventos. Pensei naquilo e agarrei-me na crença popular. “Tudo vai dar certo”, pensei. “As borboletas não falham”. Que coisa mais estúpida de se pensar! Eu e essa mania de fazer associações idiotas... 

Fui à festa, apareci de repente e todos estavam lá reunidos, divertindo-se com a caipirinha e a música. Nem notaram a minha presença, muito menos a minha ausência. Alguns acenaram e deram sorrisos, outros chegaram mais perto e fizeram a pergunta clássica: “Oi, o que você está fazendo aqui?”. Nessa hora o que dá vontade de fazer é voltar os passos, entrar no carro e fazer meia volta. Mas respirei fundo e disse: “Ah, resolvi aparecer”. Foi a pior noite da minha vida. Culpei-me por invadir o espaço das pessoas que estavam se divertindo. Fiquei triste, fui mal recebida, ouvi verdades que não gostaria nunca de falar a ninguém, não bebi nem fumei, chorei por algumas horas, voltei para o carro, girei a chave e deixei-o ligado, o ar quente funcionando, aconchegando a minha tristeza solitária. Fiquei por lá até o dia seguinte, vi o dia amanhecer, sonhei com borboletas e quando acordei queria ser uma borboleta para sair voando sem ser notada. Não me despedi de ninguém, apenas fui embora depois de um café bem forte oferecido por uma amiga. 

Na estrada, dirigia calada, sem rádio ligado, solidão e castigo. Sentia-me estúpida. Tinha sido rejeitada, mas era a única culpada, porque sabia que naquela noite de sábado deveria ter ficado em casa, alugado um DVD, ou então ter ido dançar ou tomar um chope com aquela amiga que me ligara na sexta, morta de saudades. Foi quando passou de novo uma outra – ou quem sabe a mesma – borboleta branca e pequenina, agitando suas asas descompassadas. Inevitavelmente, me veio um sentimento bom e otimista me dizendo: “tudo vai dar certo”. Hoje sinto-me ridícula por ter sentido aquilo. Porque hoje eu descobri pra que servem as borboletas. Na verdade elas agitam suas asas desesperadamente só para avisar que está próxima uma catástrofe, ou uma grande desilusão, ou quem sabe um acidente de carro. O meu caso foi o último. Caí com o carro na valeta da estrada. Quebrou eixo, suspensão, pneu saiu rolando pela pista oposta. E a borboleta esteve lá para me avisar. E eu não ouvi, nem vi nada. Embriagada pela esperança de tudo se ajeitar, caí na valeta e estraguei tudo mais uma vez. Dessa vez não a vida, mas o carro. Ficou mais caro que o terapeuta.

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