BORBOLETA
Ana Terra

Muito tempo se passou até que meu casulo ficasse pronto. Eu era ainda um grão de pólen nos canteiros coloridos de amor-perfeito quando resolvi construir a minha casa. Passei boa parte da vida entre cores e perfume daquelas flores.

Um dia, um vento forte me levou daquele jardim. Fiquei perdida no ar. Resolvi fabricar meu próprio casulo.

Como toda sonhadora, não queria uma casa comum. Todos os detalhes foram decididos com carinho.

Percorri o vale à procura de material: uma casquinha aqui, uma folha diferente ali, um musgo fresco mais adiante e, finalmente, o casulo ficou pronto.

Instalei-me. Do grão de pólen, nasceu uma larva. Confesso que fiquei decepcionada. Senti-me inerte. Com todas as minhas forças comecei a me contrair. Lentamente meu corpo foi se expandindo. Minúsculos pontos nasceram nas minhas costas. Eram asas. O momento da liberdade estava próximo. Com delicadeza, escolhi minha roupa. Cores e desenhos foram criados. Numa manhã de sol estava pronta. As portas do casulo se abriram.

Com movimentos leves e inseguros, meu primeiro vôo. Com mais confiança, a primeira dança. Com sorte, minhas primeiras companheiras.

Na primavera, o vale se preparava para a nossa dança. Flores nasciam a cada instante. A água corria farta e limpa.

A breve vida corria. Um dia senti a aproximação de um encanto. A primeira sensação foi de euforia. Tive vontade de compartilhar com ele toda a minha obra. Como uma criança exibida, caprichei nos rodopios. Ficava no ar com as asas abertas para mostrar minhas cores. Afinal, estava orgulhosa do meu trabalho.

O encanto percebeu meu fascínio. Acompanhou meus movimentos com um sorriso nos lábios. Eu e o encanto. O encanto e eu.

Passada a euforia, observei melhor o encanto. Senti que ele me ignorava. Seus olhos estavam fixados na água e não vi seu reflexo. Um encanto fabricado pela minha ilusão. Inexistente.

Retornei ao meu casulo. As contrações voltaram. Conheci a dor. Meu corpo inchou. A morte parecia próxima. Senti sede. A água, tão perto, mas não tinha forças para alcançá-la. Dos meus olhos, elas brotaram. Conheci então as lágrimas. As asas perderam o brilho e a umidade. Ressecaram. Fiquei com medo que elas virassem pó. Pólen novamente.

Passivamente o encanto assistia minha agonia. Com o pouco de ilusão que ainda me restava pedi-lhe que acabasse com aquela tortura. Mas ele nada fez.

Fechei a porta do casulo. Nova metamorfose. Senti medo. Não tinha mais forças para conduzir a reconstrução. Teria que deixar por conta do destino.

E aqui estou. Quieta. Imóvel. 

Que saudade do amor-perfeito!

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