QUEBRANDO NOZES
Alberto Carmo

As mulheres detestam - chegam às vias do divórcio - quando vêem o cônjuge partir cascas de nozes na quina da porta. O funcionamento é fácil: você abre a porta a 75 graus, coloca a fruta seca próxima à dobradiça - não menos que dez centímetros - e faz que vai fechar a porta. Veja bem, você faz que vai, mas não vai. Interrompe o movimento ao ouvir o primeiro CLEC - na noz, não na porta. 

Os CLECS na porta são inevitáveis e, dizem, já há milhares de jurisprudências; dão veredicto de justa causa e pensão cheia. Por alguma razão que nos é impossível, a nós, homens, entender, elas encaram as ranhuras que ficam na aresta da porta como aquelas marcas que os índios, ou trogloditas, faziam nas machadinhas depois de apanhar alguma caça, ou lebre, se me entendem. Tempos de bigamia, ou tri, tetra, penta.

Que mal há em quebrar nozes aproveitando a força de alavanca da porta da cozinha? Isso sem falar naquele som, o CLEC, que soa como um desabafo, como se ali estivesse a caixa craniana de nosso chefe, a estalar perante nossos argumentos.

Mas não, elas sentam a pua. O mesmo ocorre com as gotas que ficam respingadas ao redor do vaso. Será que não entendem que dirigir um jato d'água lá de cima do Pico na Neblina requer uma pontaria de que nem sempre dispomos? Essa incompatibilidade de gênios é pior que papel carbono usado: nunca risca no lugar certo; e ainda borra!

Voltando a nós, ou melhor, às nozes, andam dizendo que o Universo cabe numa casca de noz. Aqui entre nós, isso deve ser coisa de comunista, pois não? Aqui mais entre nós, aposto que é coisa de gay, que noz não sabe quebrar, mas isso nós sabemos desde os tempos de antanho. Gay quebra noz jogando o vaso em cima e gritando: - Ai, meu Deus! Já nós fazemos aquela cara de diarréia no auge da apoteose, torcemos os dedos feito virabrequim, e esmagamos a nós, perdão, a noz, na palma da mão - toda esfolada, arranhada, esgarçada. E apesar da dor lancinante, ainda damos aquele sorriso meia-boca, triunfal, de macho. E ficamos esperando o reconhecimento delas: - Meu herói! Antonio Banderas da minha matinê! ACM do meu Senado! Pepino da minha horta!

Mas qual, mesmo depois dessa demonstração hercúlea de masculinidade, elas fazem que nem viram. E o intervalo mínimo entre duas quebras de nozes precisa ser de algumas horas, ou substituído por algum genérico band-aid; coisa que, aliás, macho não usa. 

Macho é macho! Você vai até o meio da sala, arrebata a garrafa de champanhe, saca o araminho da rolha com os dentes, olha ao redor a ver se há algum suspiro - nada, nenhuma manifestação - e prepara-se para o grand finale. 

Aos olhos da platéia, num sinequanon que não resta a menor dúvida, você arranca, esgana, arrebenta, estupra aquela rolha de aço-carbono pasteurizado. E SPLASH! Leva um banho borbulhante, refrescante - recompensa pelo épico esforço. 

Depois de conter o refluxo carbônico, pronto para servir os convidados, num misto de sorriso e pose de galã do Cecil B. De Mille em seus melhores momentos, tudo o que recebe dela é um mero:

- Não falei! Derramou tudo, seu incompetente!

Aí você pega o id, o ego, o superego e uma noz, e vai quebrar tudo lá na quina da porta, só de birra. 

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