PALCO
Ana Terra

O que você está fazendo aqui? Desta vez não te convidei. Não quero a sua presença.

Paro o carro debaixo de uma árvore: desça, por favor. Fecharei os olhos e pedirei por um túnel escuro. Tenho a esperança de que poderei colocar você na entrada e com um sopro te mandar para sua casa: o palco negro onde você é ator da sua própria vida.

Seu desejo não é estar aqui, sentado no banco do carona. Eu sei. Por que veio?

Conheci você num momento iluminado. Naquela noite o palco brilhava com lâmpadas de todas as cores.

Fascinada, assisti ao seu trabalho. Quando a cortina se fechou, você veio na minha direção e murmurou um poema no meu ouvido.

Fiquei horas tentando deduzir porque me escolheu. Alguma estranha química da alma? Não. Hoje sei que aquele último ato já havia sido ensaiado. Vivi aquele instante mágico por puro acaso. Estava muito próxima do palco. Você não perderia seu tempo percorrendo fileiras de cadeiras apertadas para mostrar seu talento e seduzir. Já estava satisfeito com os aplausos.

Na noite seguinte retornei. A ansiedade era tanta que não reparei que nova peça estava em cartaz.
Sentei-me na mesma poltrona. Estranhei a altura do palco. Para alcançá-lo, tinha que me contorcer toda na cadeira.

O espetáculo começou. Você, um imperador déspota, narcisista e vaidoso. Seu monólogo deixou a platéia perplexa.

A encenação me fez mal. O peito apertado, como agora, parada neste pedaço de estrada. Não esperei o final. 

Dias depois, encontro você na rua. Espantada, vi que fui reconhecida. Na minha frente, uma personagem dividida: o ator iluminado e o imperador vaidoso.

A dualidade deixou-me confusa. Permiti ser prisioneira de um ator que me iluminava e que, ao mesmo tempo, me apavorava. 

Uma pequena história teve início. Percebi que o imperador dominava a cena. Eu? Uma simples coadjuvante muda.

Numa noite gelada, o ator iluminado encostou sua cabeça em meu peito abraçando-me forte. Senti lágrimas quentes e silenciosas nas minhas mãos. O imperador chorava. Não ousei falar. Acolhi seu corpo e abraçada, adormeci.

A noite e seus mistérios... Acordei com você cortando o laço entre seu corpo e o meu. O imperador despertava. Minha fascinação começava a morrer.

Agora seu fantasma sentado ao meu lado...O que você quer? Meu peito secou. Não há mais aconchego para você. 

Desapareça. Volte para seu palco inatingível e passe um longo tempo cuidando da sua brilhante carreira de ator. Apenas uma sugestão: deixe em cartaz, o maior tempo possível, a peça do imperador vaidoso e guarde a foto do ser iluminado. Um dia você pode precisar dela.

Agora vá, por favor. A solidão me sorri lá fora, esperando você desocupar o banco. Não a deixe esperar. Quero chegar logo ao meu destino.

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