PENSANDO EM VOCÊ
Luisa Jardim

Duda, 

Ontem, quando chegamos ao teatro, eu observei você, olhando o seu reflexo na janela. Um belo homem, sem dúvida. Bem vestido, a calça com o vinco perfeito, a camisa de linho impecável, os sapatos combinando com o cinto. Você parecia realmente satisfeito com o que via, entretanto, nem uma vez comentou o meu vestido, ou o penteado (eu mudei a cor do cabelo, notou?).

Quando você me perguntou: "o que foi? por que está me olhando como se não me visse?", você nem podia imaginar que foi aí que eu comecei a enxergar você, o verdadeiro Eduardo. Eu não estava vendo o Duda, o que eu via era a vaidade que você irradiava ao se olhar naquele espelho.

Eu nem assisti a peça... se alguém perguntar, não sei contar o enredo. Nossa vida juntos ficou passando e repassando na minha cabeça, as pequenas coisas. E eu descobri, de repente, o que me faz tão insatisfeita, apesar de ter ao meu lado "o melhor homem", como diz você. 

E foi ali que eu consegui ver o homem vaidoso, que gosta das pessoas e das coisas quando essas coisas e essas pessoas se transformam em verdadeiros espelhos, espelhos que refletem a sua própria imagem. Você não me vê, vê apenas a sua imagem refletida nos meus olhos. 

Eu acho mesmo que você nunca olhou para mim querendo me ver, interessando-se por mim, pelas minhas necessidades. Dificilmente você me ouve, pergunta o que fiz durante o dia. Meus pensamentos, minhas idéias não lhe interessam. E sabe por que? Porque, para você, seus pensamentos são muito mais importantes, mais lógicos, têm sempre mais coerência. Você sempre me conta o que fez, o quanto foi bem sucedido, as pessoas importantes com quem conversou, como se isso fosse mais importante do que nossa vida comum, nossos momentos especiais, os meus desejos e anseios. Aliás, eu acho que você não faz por mal, mas porque não consegue entender que tudo nesse mundo não gira ao seu redor e que você não é a pessoa mais importante do universo (você foi, na realidade, educado para acreditar nisso). 

Ao pensar nisso tudo, eu me lembrei da história de Narciso, o jovem deus grego que era encantado com sua própria beleza e um dia, ao ver refletido o seu rosto nas águas de um lago, sentiu-se tão atraído por si mesmo que, ao tentar abraçar-se, acabou morrendo afogado.

Sabe porque eu estou lhe dizendo tudo isto? Pelo quanto eu já gostei de você. Para tentar salvá-lo... não para mim, que já não tenho ilusões e me cansei de ser o seu espelho, mas para você mesmo, para que um dia possa ser realmente feliz, porque a felicidade não está em ser o centro do universo, mas em saber compartilhar, em dar aos outros o que se quer também receber.

Pense nisso e não fique magoado comigo.

Com carinho,


Mariana

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