PAUSA PARA A VIDA
Ana Claudia Vargas

Trens lotados partindo a todo instante. Metrôs se enfiando nas entranhas da terra levando pessoas atarefadas, esbaforidas, apressadas, aflitas. Carros, caminhões e ônibus, cortando as marginais, as rodovias, as ruas e avenidas. Todas as vias urbanas riscadas pela vida de cada um.

Este "cada um" é uma pessoa cheia de afazeres, tarefas, aflições, angústias e das tantas outras maquinações da grande, imensa, intensa, pulsante: metrópole. Cada um com sua agenda, ou não. Cada um com seu laptop (poucos) ou não. Cada um com sua bolsa cheia de contas, receitas, rabiscos ou nada! Caminhamos todos assim: somos o sangue nas veias da cidade. Somos o impulso vital, o anima, o sal; com nosso temperamento semeamos por aí, pelas calçadas, pelas ruas, pelos escritórios, pelas estações, pelos terminais, pelos bares - pois ninguém é de ferro - a nossa verdade; aquela que nos diferencia, nos especifica, nos nomeia, nos diz quem somos e a que viemos.

Nem pensamos em tudo isso - seria loucura, claro - enquanto vamos vivendo nossas vidas de urbanóides incautos que precisam acreditar - sim, precisam! - que a vida vale o risco, que "Deus ajuda quem cedo madruga", que valerá sempre a pena...tentar!

Mas aí, no meio de todo este caos no qual, contraditoriamente, nos encontramos, nos firmamos como pessoas, nos construímos enquanto seres humanos (ufa!) - aparece esta luz vermelha em forma de farol, de sinal, do que quiserem chamar, e somos obrigados a parar então. Somos obrigados, pelas leis de trânsito instituídas em prol da convivência disciplinada e organizada (afinal somos ou não somos evoluídos?), a simplesmente PARAR. Somos "convidados" a parar, mas este convite representa muito mais.

Representa a possibilidade de aquietar o coração. De deixar que outro tempo nasça aqui no rádio enquanto ouvimos esta canção dos Beatles ("love, love, love...) ou do Joy Division, sei lá (cada um tem a sua música, aquela que lhe toca a alma); de olhar para si mesmo e reparar nas mãos - em todos os dedos - de se olhar no espelho e ver os estragos silenciosos que o tempo vem fazendo, de se olhar no espelho e ver o quanto ainda se é digno de uma olhadela (e isso não tem nada a ver com a beleza física); de olhar - agora não para seu reflexo - mas para o lado, para a pessoa que ali no outro carro, talvez esteja pensando ou não, em tudo isso.

Enfim, quantos caminhos ocultos há nesta pausa; neste instante - não direi sagrado, mas necessário - no qual paramos nossos "apavoramentos", para simplesmente, esperar pelo sinal verde; que há de nos impulsionar para nosso destino agendado, marcado, condicionado - não importa - para onde quer que estejamos indo.

Não é estranho e profundamente instigante imaginar que, esperar por um sinal verde, cria de repente uma pausa na existência? Uma pausa no fluxo interminável de acontecimentos, obrigações, horários marcados, visitas agendadas, reuniões incrivelmente tediosas...

O sinal verde nos liberta, abre as portas de todas as nossas prisões interiores e nos convida ao novo e enigmático minuto seguinte.

Vejam: o sinal verde está piscando para nós. Avancemos, pois!

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