SINAL DE PARTIDA
Jorge Gomes da Silva

Ainda acelerou para ver se passava, mas o sinal amarelo não lhe deu hipóteses e mudou para vermelho. Teve que travar a fundo para não se esborrachar contra a traseira do veículo que seguia diante do seu e a papelada caiu toda do assento. Sorte de merda, pensou, arfando pelo susto que apanhara e pela ansiedade que o atormentava a cada instante. Sempre apressado, sempre com tanta coisa por fazer e o tempo a correr como uma gazela nos ponteiros de luxo do Rolex oferecido pelo presidente da administração.

Limpou o suor da testa, enquanto fazia uma careta para o condutor que o precedia por este abanar a cabeça em sinal de reprovação.

O que é que tu queres, ò palhaço? Gritaria em vão, vidros fechados para evitar o calor e facilitar a tarefa do ar condicionado. Mas o outro percebeu, pelo sinal que lhe fez. Apontou o indicador à cabeça, girando-o em círculos, chamou-o maluco.

Sentiu ganas de sair do carro e esmurrar o atrevido que assim o insultou. Contudo, não se moveu. Algo de estranho parecia acontecer dentro de si, como se o corpo quisesse chamar-lhe a atenção para algum pormenor que desconhecia.

O da frente acelerava em desafio, convidando-o para uma corridinha, parvalhão. Ele, nada. Encontrou energia apenas para procurar o maço de cigarros no bolso do casaco, a custo, cada vez mais mais assustado com a estranha sensação.

Acendeu o cigarro e confirmou que a luz vermelha ainda lá estava, teimosa, de propósito para o atrasar no caminho para uma reunião vital. Depois abriu a carteira e contemplou as fotos da mulher e dos dois filhos que quase não vira crescer. Servia-lhe de consolo o facto de nunca lhes faltar com coisa alguma, as melhores escolas, roupa cara, brinquedos em profusão. E a consorte beneficiava dos mesmos privilégios, sempre tudo de bom.

Porém, tinha uma vida endiabrada. Fartava-se de correr, enervava-se, esmurrava o volante de quando em vez. Mas só quando acabava a paciência para esperar intermináveis segundos, minutos até, por um sinal verde que lhe permitisse chiar no asfalto com o carrão e devorar os quilómetros que o separavam de um destino qualquer, cada vez mais rápido para bater estúpidos recordes pessoais, só nesses momentos perdia o tino e desalinhava a compostura de um bem sucedido director. 


A buzina do topo de gama começou a soar sem interrupção, instantes depois. O da frente, irritado, arrancou como um louco proferindo impropérios pela janela. O de trás, impaciente, alinhava na música e buzinava também. No interior da viatura, todavia, já não havia alguém para reagir ao embaraço da situação. O enfarte no coração chegara manso, indolor e letal. Fulminou.

Com a testa encostada ao volante, o director já não viu surgir o reflexo luminoso esverdeado que lhe indicava ter chegado a hora de prosseguir, sem pressa, ao encontro do único compromisso que a sua secretária não marcara na agenda para esse dia resplandecente, mesmo a meio do verão. 

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