REVEILLON
Luís Valise

 
 

Passava das onze da noite, e garoava. Viv’alma nas ruas. Sob a luz dos postes sua sombra ondulava contra a parede ensaiando um minueto bêbado. Levantou a gola do paletó surrado. Um vento perverso gelava suas orelhas. Caminhava com as mãos nos bolsos e narinas ofegantes. Cuspiu a promessa de parar de fumar, entrou num bar vazio, pediu um maço de cigarros. Protegeu a chama do fósforo com a mão em concha. Ao dobrar uma esquina um sopro de vento jogou garoa nos seus olhos, e pequenas contas de vidro ficaram grudadas em suas pestanas. Ia meio sem rumo. Depois de oito meses em cana os espaços abertos cercam a memória. Uma placa indicava a direção da praia. Pegou o caminho sinuoso que serpenteava em direção ao mar.

A beira do cais tinha o mesmo cheiro bruto da privada da cadeia. Sentiu-se à vontade como quem chega do trabalho. Desabotoou a braguilha, mijou contra a parede e ficou olhando o líquido esverdeado que corria para a sarjeta. Assustou-se com a cor do próprio mijo. Lembrou na mesma hora do Cláudia Raia, um viado que puxava cana por homicídio. Nos oito meses de cadeia enrabou o cara quatro vezes. Como num bingo, cada preso pagava três cigarros e ganhava um número escrito num papelzinho. No fim do dia o xerife da cela tirava um número de um saco de pano, e pronto. O ganhador passava a noite com ele num beliche fechado com uma cortina de toalha. Óbvio que não tinha camisinha. Era cuspe e imaginação. Às vezes Cláudia Raia fazia papel ativo, mas como gostava de continuar vivendo ninguém ficava sabendo. Tremeu com medo de estar carregando no sangue algo além de glóbulos. Ouviu um riso abafado. Olhando para cima viu a mulher na janela do sobrado. Solidão é pior que mijo verde, e ela sugeriu:

— Paga uma cuba?

Encontraram um bar meio aberto, meio caindo aos pedaços. Não tinha rum.

— Vai com pinga, mesmo.

O começo da conversa foi lento, mentiras escondidas a dedo. O primeiro beijo foi bom, a luz tênue escondia os dentes, a pinga escondia o gosto da amargura. Dinheiro ele não tinha muito. “O que for bom pra você está bom pra mim”. Voltaram para o sobrado. Entraram em silêncio para não despertar a colega de quarto. Ele olhava para baixo para não ver o rosto dela. Tirou o paletó, a camisa e a calça. Deitou-se, colocou um braço sobre os olhos, e esperou. Ela deitou-se ao seu lado e perguntou o que ele queria. Sem abrir os olhos ele disse que pra ele qualquer coisa servia. Ela conhecia os homens. Puxou as cobertas sobre os dois, apagou a luz verde do abajur e dormiu.

 
 

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