O SINAL VERDE
Raymundo Silveira

Pararam lado a lado no semáforo do antigo cruzamento das avenidas Aguanambi com Treze de Maio, pouco depois das seis da tarde de uma terça-feira. Embora os vidros de ambos os veículos estivessem alevantados ele a reconheceu e o coração disparou. Buzinou loucamente, gesticulou e chegou a cogitar de descer do automóvel, mas refletiu nas implicações disto; era meio suicídio. O tráfego naquele lugar e naquela hora era muito mais pesado do que no cruzamento de Ipiranga com São João em plena hora do rush. Sobreveio o desespero; abaixou o vidro e gritava como um maluco. A atenção dela se concentrava inteiramente no dirigir. Se acaso escutara gritos, buzinas, assovios ou qualquer outro barulho incomum, não lhes dispensara o menor reparo.

Poucas vezes em toda a sua vida sentira tanta ansiedade; tanta angústia. Morava em São Paulo, mas ele nunca tomou conhecimento do seu endereço, telefone ou qualquer outro meio de comunicação. Sabia que jamais a encontraria, pois há pelo menos dois anos havia embarcado para a Inglaterra. Soube, também, que decidiu ficar morando em Oxford para sempre e dificilmente voltaria ao Brasil. Seria, portanto, agora ou nunca. Todos os dias sonhava em reencontrá-la — nem que fosse só por um minuto — a fim de que explicasse aquele comportamento estranho durante a última vez em que estiveram juntos. Aquilo era tão importante quanto a audiência de conciliação de onde acabava de regressar a fim de tratar dos últimos detalhes do seu divórcio. Fora casado durante mais de nove anos e não lhe passava pela cabeça a menor idéia de como seria a sua nova vida.

Quando se conheceram, também era casada e não tinha filhos. Ele viajava mensalmente para São Paulo e ela passava, em Fortaleza, todas as suas férias. Sua canção favorita era "Outra Vez", de Isolda, e ela dizia sempre que tinha a sensação de que teria sido composta de encomenda para ambos. "Na letra desta música não há uma só palavra que não combine com nós dois", costumava afirmar. Haviam tomado todas as precauções a fim de que aquele romance, cada vez mais ardoroso, permanecesse para sempre na clandestinidade, o que o tornava mais prazeroso devido a uma estranha atração que o perigo desperta num "caso" proibido. Então, subitamente — e sem qualquer explicação — assumira aquele esquisito comportamento. Ele ainda insistiu para saber o motivo, mas ela respondeu que algum dia lhe contaria, mas não agora. E desapareceu.

No exato momento em que acendeu o sinal verde, um batalhão do Deptran interrompeu subitamente o fluxo de veículos. Vinham, pela via perpendicular, cerca de mil e quinhentos manifestantes numa passeata de protesto contra... Contra o que sempre se é contra numa passeata de protesto. O desfile daquela multidão não cessaria, pelo menos na próxima meia hora. Ele desceu do automóvel e bateu com as mãos espalmadas no vidro do lado direito. Ela se assustou um pouco, porém quando o viu se assustou ainda mais. Só que havia uma diferença abissal entre os dois sustos. 

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