DOIS PARÁGRAFOS
Fábio Fujita

Não chegou a ser como aquele personagem do García Márquez, mas Alex também teve lá os seus dias de espera. Anos, na verdade. Doze anos, para ser mais preciso, tempo suficiente para esquecer a Bruna, formar uma família e brincar de vida-modelo. Fez exatamente isso, tirando a parte de esquecê-la. Inventou que a Jéssica poderia ser a mulher de sua vida e, por isso, fez da Jéssica a mulher de sua vida. Não era, mas quem precisava saber? 

E a história poderia terminar aí: o Alex casado até o final dos dias com a mulher da vida dele, que não era a mulher da vida dele, e a Jéssica casada com o Alex até o final dos dias dela, e feliz, porque, afinal, alguém tem que se dar bem, de todo mundo ferrado já bastam os Cães de Aluguel. Poderia, não quisesse o cronista escrever uma história mais digna do que meia dúzia de linhas e a Bruna ressurgido no caminho dele, depois de doze anos de separação. 

Separação, sim, porque Alex e Bruna haviam tido um affair nos tempos em que faziam faculdade, até ela resolver jogar tudo para o alto para viajar pelo mundo. E jogou literalmente tudo para o alto, inclusive o Alex, porque na concepção dela uma mudança radical de vida tem mesmo que ser radical (faz sentido), sem concessões, e lá foi o Alex pelos ares, junto com uma apostila do curso de italiano, uma ascendente (e promissora) carreira artística e uma pêra de final de tarde (ela tomara a decisão pela manhã).

Sem concessões. Bruna não deu a Alex a oportunidade de viajarem juntos. Ela estava insatisfeita com algo que não sabia o que era – que nem era por culpa dele – mas insatisfeita, e essa insatisfação se radicalizou na idéia de viajar. Sozinha. E, como tudo na vida dela acontecia de forma abrupta, assim foi. Ela sempre fora daquele jeito meio porra-louca, instintiva, intuitiva. A diferença é que era uma porra-louquice verdadeira, não essas de fazer fachada de que a vida é supersuper, manja? E por trás daquele vulcão, havia uma mulher apaixonada por ele. Alex desconfiava disso, porque em geral sabemos quando somos queridos. Há formas e formas de demonstrar, ou de não demonstrar, ou de fazer de um jeito para parecer de outro, e ainda assim, em geral sabemos quando somos queridos. E a Bruna queria parecer que não, e seu apego ao Alex estava transformando-a, de certa forma. Para provar que não, que era plenamente independente, decidiu viajar. Tchau, Alex.

Ela foi, ele ficou. Ela se perdeu em Kiev e quase virou comidinha de felinos na Costa do Marfim. Ele pôs aliança no dedo esquerdo e fez bifinhos de javali num churrasco na casa que tinha na praia. Ela pediu paella num restaurante finlandês e encontrou o Beckham à paisana na noite de Amsterdã. Ele viu seis filmes do Woody Allen num mesmo dia e não encontrou ninguém muito famoso (o Rodolfo Gamberini vale?) nas vezes em que foi ao Fran’s Café. Ela sentiu muita saudade do cheiro dele, mas saudade dá e passa. Ele sentiu falta dela e casou com a Jéssica.

Daí passaram-se doze anos. Alex, que não variava muito seus destinos, estava sozinho no Fran’s, tomando um capuccino, como fazia todo final de tarde, quando a Bruna entrou e sentou, também sozinha, na mesa ao lado. Ela olhou para ele e não o reconheceu. Ele olhou para ela e a reconheceu, embora ela estivesse tão... como dizer... tão não-Bruna. Faltava brilho nela, o brilho que tanto o perseguiu naqueles anos de brincadeira de amor com a Jéssica, que era linda, mas era a Jéssica. Faltava aquela volúpia de fêmea que tanto fazia de Bruna, Bruna. Faltava algo. Faltava qualquer coisa. Talvez faltasse ele nela. Talvez.

Talvez a Bruna tivesse se arrependido da vida que levara até ali, com as paellas erradas, com as personalidades que encontrara por aí, e tudo isso tenha tirado um pouco daquela porra-louquice que parecia a da Carolina Ferraz num daqueles amores possíveis. E então uma espécie de metamorfose às avessas, que leva ao encolhimento, à percepção, como a do poema, da vida que poderia ter sido e não foi.

Ou não. Ou a Bruna só estava numa tarde ruim. Tomar café sozinho, afinal, não é um programa dos mais festivos, para quem quer que seja, a Bruna ou a Britney Spears, seja lá em que dia for, nos Antes de Cristo ou no pós Dom Sebastião. Mas Alex havia esperado por ela, doze anos esperando por ela, ainda que tenha feito Jéssica feliz, muito feliz, porque alguém tem que se dar bem. 

E foi justamente pensando no sorriso da Jéssica, a coisa mais doce do mundo (isso era mesmo, nem a Bruna em seus melhores dias conseguira efeito encantatório igual), que Alex achou melhor esquecer os doze anos, os dois filhos do não-amor, a espera, o vazio existencial, aquela bobagem toda. Levantou-se, pagou a conta e saiu, sem sequer olhar para aquela mulher agora tão sem luz. Chegou em casa e fez amor, muito amor, com Jéssica, a criatura que nascera para a felicidade.

Pensando bem, a história acabava mesmo no segundo parágrafo.

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