"QUEM NÃO SE METAMORFOSEIA, ATROFIA-SE"
Juraci de Oliveira Chaves

A fila era enorme e o ambiente muito quente apesar dos ventiladores tentarem dirimir a temperatura elevada. Os ponteiros do relógio circulavam lentamente num quebra silêncio descontinuado. Uma voz aqui, outra ali se elevando a tonalidade em sinal de protesto à desobediência da lei onde se diz que o cliente não pode esperar mais que quinze minutos na fila de uma instituição bancária. 

Tudo seguia em gestos lentos. Parecia um velório de defunto mal amado, sem soluços prolongados. Algumas vezes, um som de cédulas magras dançando na mão do caixa. Só um, o outro, num café demorado. Do lado esquerdo do caixa, outra fila masculina, a esperar que se façam depósitos para receber rescisão de contrato trabalhista. Tantas rescisões e o banco sem dinheiro em caixa. Putz! Desemprego em alta, pensei. Repentinamente olhares se voltam para a porta de entrada. Sorrisos voluntariamente atrevidos nas faces masculinas. Parecia entrar a rainha das embaixadas. Vertigem de desejos, delíquio total. A moça entrou contagiando... contagiando... desafiando o macho oculto. Homens quase a salivar. Matreira, com olhos maliciosos, observou um a um em linha curva, fingindo indiferença. Ocupou um lugar na fila. Seios aparentemente não siliconados, tudo à mostra num decote ousado, executavam uma dança ao comando da respiração ofegante. Em tatuagem, uma miniatura de borboleta, mostrava a estirpe da moça. Algo descabido para o local, olhares aportando. Fundeavam-se. Ciúmes sentiam de uma gota de suor que escorria no leito entre a curvatura sinuosa, marcada pelo sol de praia beira-mar. Um perfume no ar contagiou corpos, narinas e bocas. 

Danou-se, murmurei. A fila empacou ainda mais com tanta recontagem de cédulas pelo caixa que sem querer ser acintoso, se embaralhava como as notas. Um rapaz tentando ser gentil, puxou conversa, de olho no decote da rapariga:

- Queria ser esta borboleta. Ela tem e-mail?

- Para ser borboleta precisa metamorfosear, respondeu a moça sem piscar.

- Então não há problema. Sou um exímio em metamorfose.

- O próximo! - Alertou o último da fila, apressado, assustando o galanteador que teceu comentários sobre a rapidez da fila. Ainda no caixa, escutou a voz macia. 

- Alguém já dizia " Quem não se metamorfoseia, atrofia-se." 

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