AS BARATAS TAMBÉM PADECEM
Luiz André B. R. Cavalcante

O que ninguém sabe é que Kafka fez uma história sem nome, na qual certo dia uma barata acorda transformada num homem minúsculo e indefeso. Depois de certo tempo, e já plenamente integrado ao convívio da comunidade, o homem-barata sai para comer restos de comida na pia da cozinha e, inadvertidamente, consome um pedaço de queijo cheio de veneno, desses de efeito lento. Voltando para o refúgio da toca, o homem-barata começa a passar mal, tem uma violenta indigestão e termina morrendo. Como não podia deixar de ser, as baratas, que são criaturas canibais, jantam-no com pompa e honra. 

Este o tema da novela: naquela comunidade relativamente próspera, o homem funciona como um elemento desestabilizador – pior: como um elemento desagregador, porque ele, logo ele, é que come a comida envenenada. Um inapto, enfim, que, depois de conquistar a confiança do grupo, deixa como herança a própria morte. Claro que seus amigos que o jantam também morrem envenenados. Estes, por sua vez, são jantados e transmitem o veneno, dando assim início a um ciclo de morte e destruição que se abate sobre a comunidade inteira. 

Tudo isso para mostrar quanto o homem pode ser nocivo, especialmente às baratas. Sem falar no fato — desabonador, para o homem — de que, ao contrário do que tinha sucedido na primeira novela, na qual os homens se constrangeram em aceitar uma barata em seu meio, nesta as baratas não tiverem problemas em acolher o estranho, mesmo odioso e de tão más lembranças, destinado desde sempre a lhes aplicar chineladas e quejandos. 

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