É COMO ESTAR EM CHAMAS
Luciana Pareja Norbiato

A única coisa que me parece absoluta e irrevogavelmente presente é uma dor no ombro e o medo que me faz segurar o ar e com isso minha barriga parece um balão de aniversário, redonda. Parece a ponto de explodir, cheia de ar inútil, como se no próximo instante a camada de ozônio fora inexistir e eu agoniara asfixia. Dói, tudo dói, mas de pouquinho percebo quais são as minhas portas abertas, e onde me ponho suscetível. Bato-as com estrondo, para ter o gozo de me ver evoluindo. Me acostumei muito errado, quase não sobrevivo nesse way of life do coitadinho. É preciso não ter pena de mim mesmo, repito a cada instante, mantra imprescindível. Porque eu absorvo o ódio alheio, o pesar alheio, a dor alheia, pois coitados só criam identidade com as mazelas, se são coitados, afinal.

Tenho muito medo, tenho vontade de correr e chorar. Mas me conheço bicho, sabendo que bicho de verdade arreganha os dentes e morde também, quando é mordido. Bicho bom não se deixa morder, tem esse detalhe. Prevê o perigo e não se esconde, ataca sutilmente, a ponto de desencorajar o alheio. Como vi outro dia num documentário sobre matar ou morrer no mundo animal, propício ao meu momento. A mosca pseudo-indefesa se mascara com olhos de uma grande aranha para evitar o bote de uma aranha menor. A fantasia somente não basta, a mosca comporta-se como a aranha que pode atacar a outra, e a caçadora teme por si e foge. 

Confesso que por momentos tenho laivos de desistência. Desistência não, desistência não, desistência não. Por pior que seja a asfixia delicada que me imponho, com o barrigão estufado, o ar entalado e sem uso, é uma asfixia de mentira. A desistência é a morte, seja por atropelamento e ataque, seja por um câncer que eu hei de gerar pressionando sobrehumanamente meu corpo. O pensamento é tudo: não desistir.

E me dou conta de que pensar o quão coitadinho sou, que pensar que o mundo é cruel, é perda de tempo, e mais: é abrir mão de mim. Quero tudo, me quero todo, quero a morte ao meu oponente, se assim se fizer necessário, e a vida a quem eu puder amar sem medo.

Ainda o medo. Uma hora ele vai embora, ah, vai. Vou aprendendo a me amar aos bocadinhos.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.