OURO DE TOLO
Mariazinha Cremasco

Achava que os últimos oito ou nove meses tinham sido suficientes para se conhecerem bem. Ah, como se enganara, o pobre. Em apenas dez dias de convívio mais íntimo ele pôde descobrir as facetas ocultas daquele amigo que, em princípio, acreditara ser bom.

O sujeito mostrara-se, no início, gentil, educado, religioso, delicado, inteligente, íntegro, seguro, trabalhador, bom caráter. Apenas uma de suas qualidades (se é que se podia chamar assim), incomodava um pouco: era pudico. Ninguém mais é pudico nesse mundo de meu Deus, pensava. Mas como era justo, relevava esse "problema" diante das tantas qualidades observadas.

Agora, depois de tudo o que descobrira, perguntava-se se teria presenciado uma metamorfose. Será que o outro mudara tanto assim? Claro que não. Ele é que fora um cego, um tolo. Simplesmente só enxergara o bem, ainda que tivesse tido intuições e provas suficientes do mal. Nenhuma daquelas qualidades que tanto o haviam encantado era real.

Dez dias!

Nos olhos que antes pareciam doces, agora via um olhar duro. Da boca que lembrava um sorriso franco, via agora os lábios crispados, de desdém, intempérie e descaso. Até os cabelos ele enxergava diferente. Pareciam espetados? As sobrancelhas, que antes nunca reparara, pareciam o cenho do diabo. Tinha a aparência demoníaca, o desgraçado.

Tirano, opressor. Demagogo, carreirista. Maniqueísta, dono da verdade. Egóico, insensível. Mentiroso, invencível. Duro, inflexível. Preconceituoso, irascível. Arrotava elogios a si mesmo. Prevalecia sempre a "sua" verdade.

Mau caráter, sim senhor.

Puritano, pudico. Era hilário. Só isso permaneceu irretocável. E, para ele, era esse o mais grave dos defeitos. Pudico! Ridiculamente pudico.

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