TRANSFORMADO
Sérgio Anauate

Fiz um esforço muito grande. Naquela sala escura, sozinho, eu esperava. O que? Não sei direito, mas eu tinha que estar ali. Num certo momento percebi que uma de minhas pernas começou a formigar. Era um comichão que subia dos pés até as virilhas, e os músculos retesados se esticavam. Parecia que eu estava crescendo um pouco. De repente, a outra perna começa a tremer e a adormecer também. A mesma sensação. Ela também queria crescer um pouco. Eu ali sentado, olhava para os lados e olhava para minhas pernas. Elas estavam diferentes... e eu sentia muita dor.

Após alguns instantes de calma e silêncio, meu braço esquerdo se retesa, a palma da mão se abre e os dedos esticam até mais não poder. Sinto a dor do estiramento mas não consigo controlar. Nem bem a dor começou a acalmar, tudo se repete no braço direito, ainda com mais intensidade. Estou cansado, ofegante como se estivesse fazendo um esforço descomunal. Olho para os meus braços, parecem os mesmos mas um pouco diferentes, o que aconteceu eu não sei... talvez também tenham crescido um pouco.

Novos instantes de paz e calmaria. Tudo à minha volta parece dormir. Sinto uma letargia no ar. Nenhum barulho, nenhum movimento. A sala continua escura. Olho pela veneziana entreaberta da janela e não vejo nada, só as nuvens que cobrem o pequeno vão. Toda a minha história passa repentinamente em minha mente como um filme, só que em alta velocidade. Fico um pouco zonzo com tudo aquilo.

De repente uma intensa dor no tórax, parece que me dilaceram o peito. A sensação é de que as costelas estão se abrindo, se espaçando. Mordo os lábios até sangrarem, consigo me conter e não grito. A dor é lancinante, mas eu resisto. Não é hora de fazer barulho nem chamar a atenção. Depois de algum tempo parece que os ossos se estabilizam e eu agora posso respirar um pouco melhor. O ar começa a fluir mais rápido e mais facilmente.

Uma nova onda de paz me invade e toma conta do ambiente. O que me resta ainda experimentar? Acho que nada. Aiii! De repente os quadris se me enrijecem, sinto dores monstruosas nos ossos da bacia, parece que eles se movimentam num balé de ajuste, buscam se encaixar nas novas proporções. Tudo muda e ao mesmo tempo nada muda. Tudo se transforma e tudo permanece como era.

O que se passa? O que querem de mim? O que vai acontecer comigo? Em mim uma voz se agita e grita em meu pensamento: é hora de crescer, e crescer dói, é hora de mudar, e mudar pede ajustes, é hora de se transformar. Aquilo enfim faz um sentido. Olho para um dos cantos da sala e percebo ali um espelho. Vou até ele lentamente, me aproximo e, apesar da falta de luz, vejo um vulto ligeiramente deformado, um pouco diferente. Após as dores do crescimento, me vejo outro, me vejo novo, me vejo redesenhado, me vejo enfim transformado... em mim mesmo.

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