EM BRANCO
Lua (Lu Oncken)

Os aniversários passavam em branco. Mas não foi sempre assim. Houve tempos em que eram comemorados. E como! A família em volta da mesa, o bolo, o “Parabéns pra Você”, os presentes. E todos aguardando o grande final. O sopro. E os pedidos. Secretos pedidos. Em um desses sopros, pediu um marido. Estava cansada da vida de solteira. E sempre teve o sonho dourado do casamento. Um marido companheiro, ela queria. Um marido romântico. Um que a acompanhasse em seus passeios. Soprou. Pediu um marido. Um homem bom. No sopro, só pensou nisso. Não deu tempo de pensar no companheiro, festeiro e romântico. 

Já havia passado dos 30. Era tempo em que as mulheres casavam-se aos 20 e poucos. Estava namorando um homem bom. Levou-a ao cinema uma vez. Saia e blusa bem cortados, sapato combinando com a bolsa, luvas. Impecável. Esperava seu homem bom. E iam comer pastel, ou tomar sorvete. E ele fogoso. E ela virgem. Casaram-se. Foram morar na casa da mãe dele. Não era bem o que esperava. Mas na pressa do sopro, daquele aniversário, esqueceu-se dos detalhes. 

Teria se arrependido tanto disso. Os elogios se foram depois do sim no altar da Igreja, vestida de branco. E os beijos, e os abraços, só na cama, na hora do sexo. O que para ela era uma obrigação de mulher. E assim foi. Não se falavam muito ao chegar em casa. Não havia privacidade. A sogra estava sempre rondando. E vieram os filhos. E foram-se os aniversários. A festa deu lugar ao silêncio. Na casa da sogra, não se comemoravam aniversários. Para quem viveu a guerra, festa era desperdício. 

Mas ela não perdia as esperanças. A cada aniversário esperava uma flor, um beijo, um presente. Nada. Nem um “Feliz Aniversário”. Nem uma palavra de consolo. Nada. Os aniversários agora passavam em branco. Não só o seu, mas os de casamento. Nos dele, às vezes um bolo que ela fazia carinhosamente. Como ele mesmo não se lembrava do próprio aniversário, comia o bolo como se fosse um dia qualquer. 

A flor, o beijo, a palavra de consolo nunca vieram. Ela esquecera dos detalhes. Na pressa do sopro, o pedido foi incompleto. Mas tinha um homem bom ao seu lado. O sustento, o amor aos filhos. Nisso ele era bom. Era honesto, trabalhador, fiel. Nisso ele era bom. Não bebia, não fumava, não se metia em encrenca. Como era bom. Era capaz de tudo pelos filhos, um bom pai.

Não podia reclamar. Seu pedido foi atendido. Mas sua vida passou como aquele sopro. Leve, suave, sem emoções. Incompleto. Talvez preferisse uma ventania, um sopro forte e curto, mas intenso. Não teve a oportunidade de mudar o rumo de sua vida. Não havia mais sopros. Durante mais de 30 anos, os aniversários passaram em branco. Sem bolo, sem choro, nem vela. Nem sopro, nem pedidos.

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