DESVAIRIO
Míriam Salles

Pois é, meu caro, tivesse você sido mais atento e nada disso teria acontecido. Veja você, acontecer essa tragédia bem no dia de nosso aniversário. Aniversário não, mesversário. Isso existe? Tanto faz. O fato é que você sabia da importância que isso tinha para mim e, mesmo assim, fez o que fez. Sabia, ou deveria, que a tal da pílula me transformaria em monstro. Nós até conversamos sobre isso um dia, lembra? Dizíamos que hormônios alteram a personalidade. Como aquele personagem, o Dr. Jekyll. Ou será o Mr. Hide? Sei é que a interpretação do John Malkovich estava perfeita. Um sacana adorável, sedutor, quase como você. Eu nunca quis acreditar quando você dizia que não prestava, mas tive que me render às evidências. A contra-gosto tive que reconhecer sua covardia, sua falsidade. Se antes eu me embebia das suas palavras doces, agora devo exsudar o veneno que gotejou da sua atitude. Tivesse você sido menos desligado e teríamos ambos nos dado conta do perigo que nos rondava. Devíamos ter investigado mais aquela teoria sobre os hormônios do bom humor...

Mas agora Inês é morta! Inês não, você é morto. Morto, mortíssimo. Esse sangue no chão me deu a certeza. Seu olhar profundo entrando dentro do meu enquanto caía me mostrou que você entendeu porque morria. Hormônios, meu caro, hormônios. Preço alto para um capricho tão pequeno.

Eu perdi a cabeça, você a vida.

Eu serei perdoada pela lei dos homens e dos hormônios. E a você, quem perdoará? A quem recorrerá da sentença?

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