Ó DE CASA!
Alberto Carmo

Clepe! Clepe! No começo era assim. Pelos clepes eu sabia que era ela. Sabia que não era o carteiro, que tinha um clepe tão intenso quanto a distância do remetente. Se vinham de longe as cartas, era um clepe rápido e repetido. Se fosse da nossa cidade, o clepe era normal, nem lento, nem veloz. Sabíamos que devia ser carta da tia, que morava numa chácara no vale. A gente, a duas quadras da igreja. 

Tinha o clepe da vizinha, sempre apressada com a massa do bolo ou da torta em cima da mesa de fórmica. Quase sempre pedia uma colher de fermento, que minha mãe punha dentro de uma xicrinha de café. Depois ela trazia um pedaço do bolo, ou da torta. A de galinha era a que eu mais gostava de tão deliciosa. Ainda não tinha associado os gritos das coitadas ao sabor do recheio - havia uma mudança constante no galinheiro, que eu não entendia. Quando soube que lhes torciam o pescoço passei um bom tempo sem comer tortas, a não ser as de palmito.

Quando os clepes eram compassados e fortes, um a cada dois segundos, mais ou menos, sabíamos que se tratava de algum estranho - talvez um pedinte, um vendedor de casimiras, ou coisa assim. O clepe do batateiro era rápido, um rufar de tambores. Vinha às terças e já sabia a medida certa: dois quilos de batatas com terra, boas para o nhoque. 

Se fosse uma salva de clepes já sabia: - Mãe, os primos chegaram! E nem entravam. Íamos direto ao quintal e... pernas pra que te quero! Abríamos o portão de madeira lá no fundo e, só de calção, lá íamos nadar no riacho raso e cristalino. 

Ela, quando vinha me chamar em casa, eram palmas suaves e pequeninas como suas mãos. Eu chegava ao portão com o coração nos olhos: - Vamos brincar? - ela sempre dizia. - Vamos! E saíamos de mãos dadas num sorriso que só as crianças sabem pintar. Corrida até o mato, esconde-esconde entre as árvores e um tombo na relva - corações pulsando, mãos dadas sempre. Não sabia ainda que era amor. Era... uma coisa tão boa de sentir. 

Aquele tempo infinito correu muito rápido. Agora ela tocava a campainha. A matinê dos domingos, o parquinho na entrada da cidade. Lá íamos sempre, e sempre de mãos dadas. No primeiro abraço eu perdi a respiração, e ela também. Havia uma atração incontrolável, uma vontade de respirar juntos que ainda não compreendíamos. 

Não sabia explicar, mas sabia quando era ela no portão. Parecia ver o impulso elétrico da campainha, que saía das mãos dela, esgueirava-se pelo jardim, subia pelos pilares da varanda, entrava sorrateiramente pela fresta da porta, corria pelo rodapé da sala e chegava arqueado na cozinha: - Trimmmm! Era ela!

Eu ouvia lá do quarto e saía correndo. Primeiro na leiteria - doces e balas. Depois namorar na praça. E assim nosso amor foi crescendo, entre sorvetes e olhares felizes. 

Um dia mudamos, eu e ela. Mudamos de casa, de cidade. Mudamos nossos sonhos, nossos sorrisos. A vida queimava rápida - gente esquisita, gente nova, gente velha, gente tão diferente. Nunca mais soube dela, nem ela de mim. Nosso paradeiro ficou distante e abandonado.

Hoje, aqui sozinho nessa multidão de estranhos, olho o rodapé e não vejo mais o fio da campainha, nem percebo mais quem bate palmas. O som é igual, não sei de onde vem, nem por onde passa até chegar aos meus ouvidos. Já não sei mais quem bate à minha porta. Nunca mais foi ela, nunca mais pulei correndo da cama. Nunca mais a praça, os doces e os nossos sorrisos. 

Deito-me no chão da sala, num canto qualquer. Olhos no rodapé vazio, tentando imaginar aquele fio correndo pelos labirintos dos cantos até a cozinha. Durmo e sonho com ela. Não há mais palmas, não sei mais entender a campainha, não há mais sorriso.

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