NOTA DE RODAPÉ
Thaty Marcondes

No rodapé da sala, aquele friso de madeira escura, verniz descascado, lasca feita pela vassoura que machuca a superfície. Nas paredes a pintura esmaecida e amarelada, faz com que se instaure a dúvida: já foi branco e amarelou-se ou foi amarelo e desmaiou? Perdeu a cor e a vida. O contraste com o rodapé é lúgubre, triste, decadente. O sofá já perdeu o toque arrepiante do veludo verde brilhante: transformou-se em marrom esverdeado, ranhuras que o tempo presenteou, marcas de unhas, rasgos, afundados. Nem o quadro acima dele salva o aspecto de abandono: a moça pintada, outrora feliz, alegre e radiante, tornou-se apagada e triste - uma lágrima rola. 

Ele sentou-se na velha poltrona de adamascado agora fosco e observou a sala. Lembrou-se do quanto aquele lugar já fora alegre; das festas animadas, do namoro no sofá, da primeira vez no tapete agora roto e desbotado; da música saindo da vitrola. Lembrou-se do dia em que chegou em casa e ela o esperava, escondida entre o forro pesado de algodão e a leveza do voil da cortina. Ela estava nua! E eles se amaram em baixo da janela; derrubaram o trilho; os tecidos no chão, onde se enrolaram e dormiram exaustos de tanto amor. O tecido transparente ainda guardava, em rasgos, a fúria do desejo; o algodão pesado estava definitivamente manchado, marcado por seus corpos.

Levantou-se e aproximou-se da janela: viu o jardim abandonado, cheio de mato; o portão de ferro agora apresentava ferrugem, estava com algumas barras entortadas; não tinha mais a tranca - apenas uma corrente pesada com um cadeado que já fora reluzente. Lembrou-se das rosas que ela plantava, que ela regava, que ele colhia e adornava o vaso sobre a mesinha de centro. Lembrou-se disso e virou-se para ela; passou a mão sobre o mármore rosado, afagou o vaso trincado e sem flores. 

Depois de tantos anos, entrar novamente naquela casa, naquela sala, foi um sofrimento enorme!

Sem coragem de subir as escadas, resolveu ir embora. Olhos inchados de tanto choro, peito apertado de tantas saudades, mente confusa com tantas lembranças.

Aquela despedida definitiva estava doendo demais! Mas ele havia resolvido: iria vender a casa! Os móveis? Doaria, se ainda tivessem utilidade. Porém, antes, deixaria sua marca na casa onde fora feliz ao lado de sua esposa. Como os adolescentes, que marcam seu amor nas cascas dos troncos das árvores, escreveu seu registro de amor com o canivete - apenas uma nota de rodapé, onde se lia:

"Nesta casa, nesta sala, neste chão, neste pedaço de madeira, inscrito o meu amor por você".

Deixou-se cair ao lado. Canivete na mão, sobre o peito a mão esquerda. Um sorriso estampando felicidade, naquele rosto sem vida. Enfim, fora ao encontro da amada.

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