CANTO
Anna Carolina N. Fagundes

Dos loucos e dos solitários, fazem-se muitas piadas e comparações pseudofilosóficas, de uma obviedade que chega a dar nos nervos. Duvido que algum pensador de mesa de bar pudesse compreender o que existe, realmente, dentro da cabeça daquela moça loira que eu vi, cantando baixinho para si mesma, dentro do metrô lotado, audível para quem estivesse por perto.

Tal coisa é estranha, porque em São Paulo (não sei como é em outras cidades) ninguém fala dentro do metrô. Quando muito conversa com uma pessoa que já conhece, e é só. Ninguém pergunta a hora, ninguém comenta o jornal do vizinho, ninguém fala aos berros ou fica rindo como se o mundo fosse acabar amanhã. É um silêncio que até dói.

Por isso, a mocinha loira cantando (sem chapéu no chão para pedir dinheiro, sem querer chamar a atenção) era um elemento análogo nessa situação. Todo mundo olhou feio (até eu, confesso agora envergonhada), como se estivessem se perguntando que audácia era aquela, cantar assim no meio do trem. Era louca, por um acaso?

Louca, ela não parecia. Mas mesmo que fosse, qual era o problema? Por um acaso ela estava batendo em alguém, ou cantando tão alto que chegasse a incomodar os outros? Quantas vezes eu, quando era criança, não cantava assim na rua? Parei quando as pessoas começaram a achar que eu estava falando sozinha, e isso incomodava muito.

Parar de cantar me deixou ainda mais solitária do que antes. Imaginei que a moça loira do metrô, pelo menos, tinha o consolo de sua voz harmoniosa, apesar dos olhares de reprovação dos outros passageiros. Ela só parecia sozinha - estava acompanhada por seu canto. Eu, nem isso tinha para me consolar.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.