A COISA E A RODA
Doca Ramos Mello

O nó é a falta de sensibilidade, criatividade e atenção. Porque, de repente, a coisa está ali, bem na cara do gol, e o povo na maior lerdeza, sem se dar conta de nada. Então a coisa, pobrezinha, na sua solidão atroz, tem de se virar para que reparem nela, por isso começa a fazer de tudo com esse objetivo: rebola, se veste de baiana, bebe além do limite e protagoniza vexames, grita no meio da rua, se agita toda, apela para o esoterismo, faz strip-tease, dá declarações obcenas, comporta-se de modo esquizofrênico, enfim...

E o povo, necas.

Foi assim com a roda. O homem, ainda bruto e sem letras, obtuso a ponto de agarrar sua mulher pelos cabelos, um dia necessecitou de algo para fazer o transporte do trigo e inventou uma espécie de caçamba para a função. Ótimo! O problema foi que a peça ficou pesada, empacou. O homem chamou seus semelhantes, mas a união não deu resultados sólidos, até porque sempre acontecem as dissidêncências, tem quem faça corpo mole, uns gostam mais de planejar que executar, outros precisam consultar as bases, essas coisas. Então o homem entregou a tarefa aos bois, que esfolaram couro e cascos sem grandes êxitos.

Aí é que entrou a roda! Meio esquisitona, tosca, mal-acabada e carecendo de polimento, um tanto cambaia, irregular p'ra dedéu, porém, roda. Roda que rodava e tirava a caçamba do lugar, eliminando os semelhantes, o dinheiro gasto na sessão extraordinária, os assessores, etc. E facilitando o trabalho dos bois.

Antes, porém, a roda deu muito duro para que o homem a enxergasse. Dançou, cantou, imitou o Michael Jackson, mostrou os dentes, contou piadas, posou pelada, fez exposição da sua obviedade, ralou muito até que, finalmente, foi idealizada.

E daí?

Daí que foi assim que a humanidade passou do carro de boi para o carrinho de rolimã e dali para a Ferrari do Rubinho. Sem mencionar o ioiô, o bambolê, o carrinho de cortar grama, a roda d'água, a roda de samba, aquelem apresentador falecido que ganhou fama e fortuna porque berrava "roda, roda, roda, roda e avisa..."

Pois a roda acaba de chegar ao Planalto (vejam os senhores o que é uma grande sacada da coisa!), onde V. Excia. Metalurgíssima adotou as reuniões ministeriais na Granja do Torto, em torno de um...churrasco!

Homem sensível, o nosso presidente tem captado os anseios de seu povo com grande senso de oportunidade e estilo, de tal sorte que suas idéias ganham espaço na mídia mundial, todo mundo boquiaberto com as novidades de sua lavra, como o "tour da fome nordestina", a "presidência pop star", o "candidato paz, amor e Duda Mendonça", "o dedinho de ouro do PT", "a ministra que vai orar longe", "o sorriso de Dirceu", "a Áfica é tão limpinha", etc.

Que coisa "a coisa", hein?!

A nova roda petista é, pois, regada à carne de primeira, no espeto, e muita descontração. Picanha e previdência, maminha e mamata, cupim e chupim...

A título de colaboração meramente espontânea e genuinamente popular (até porque sei da disposição de V. Excia. Matalurgíssima para consultar as bases do povão), gostaria de sugerir a contratação de Zeca Pagodinho, para dar mais brasilidade e balanço às enfadonhas reuniões ministeriais. Sim, sei que o governo dispõe de um ministro que poderia, ele próprio, fazer esse show (tem feito, tem feito!), mas creio na necessidade de uma melhor redistribuição dos cachês, como forma de ser mais justo e democrático com o meio artístico: "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".

Nada impedirá, inclusive, que sejam contratadas umas duas dúzias de mulatas com a bunda de fora, com o objetivo de abrilhantar as sessões ministeriais e ajudar os ministros a entrarem no ritmo - essa gente é sempre decompassada...

Claro está que, uma vez mais, deva-se observar o rodízio de mulatas, com o intuito de preservar, primordialmente, a já citada redistribuição de cachês - e nada de nepotismo, heim, tomem conta da ministra, ok?

Vou mais longe. Assim que a Globeleza tiver seu segundo filho, pode-se entrar em contato com a moça e convidá-la para estrelar as vinhetas das reuniões. Seria saudável, ainda, não descuidar da Bahia - ACM é poderoso, ficaria aborrecido ao ver a axé music de fora, de repente cismava de encomendar uns ebós caprichados e promover um "do-in antropológico" bem na bursite presidencial - de modo que deveríamos incluir no evento o grupo É o Tchan. Até porque os ministros ficariam, com toda certeza, muito mais incentivados a trabalhar na presença morena de Sheila Carvalho (e há uma loira no grupo, para evitar situação de preconceito às avessas). E do Jacaré, claro, afinal "a coisa" sempre é uma faca de dois (le)gumes... 

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