UM DIA NA MINHA VIDA
Pedro Brasil Jr

Um dia na minha vida me peguei sozinho na multidão...
Num instante — pensei: Não! Este não sou eu!
Mas era eu acompanhado por eu mesmo!

Um dia na minha vida acordei na manhã ensolarada
e descobri que não havia onde ir!
Descobri que a mesa, o telefone, os amigos e as
tarefas repetitivas haviam se separado de mim.

Restou uma agenda repleta de compromissos
amarelados e de números de telefones que
da noite para o dia haviam perdido por completo
todo o sentido.

Um dia na minha vida escrevi cartas para o Tempo
Perdido.
E como resposta descobri numa página de jornal
que não havia mais tempo para perder.
O novo tempo começava exatamente ali!

Um dia na minha vida, senti a amarga sensação
de não desejar voltar para casa!..
Eu queria ir a qualquer lugar...
Mas "qualquer lugar" não existe!

Um dia na minha vida, colecionei figurinhas,
joguei bolinhas de gude, empinei papagaios, fiz girar
pião de fieira e li tantos gibis que me causaram
algumas surras em casa e alguns castigos na escola.

Um dia na minha vida consegui uma
revista de mulheres nuas...
E me encantei com a mais perfeita escultura
da natureza humana.

Tempos depois, fui descobrindo o encanto de
um olhar, o doce de um beijo e o inexplicável
prazer de uma pele suave, de um toque, de
uma entrega enfim...

Pois é! — Um dia remexi gavetas e armários na
certeza de uma arrumação completa.
Foi um dia longo, de lembranças e
reencontros...

Descobri numa caixa, algumas bolinhas de gude
dos tempos de infância fazendo companhia
àquelas duzentas figurinhas das Balas Zequinha.
A coleção completa que levou quase uma década
para ser reunida.

Naquele dia de minha vida, me encontrei com os
piões de fieira, com álbuns de figurinhas, fotografias
de um tempo que não volta mais, alguns gibis amarelados
e os primeiros selos de uma coleção que meu pai havia ensaiado.

Folhei um álbum de cartões-postais antigos e lembrei
da minha coleção abandonada....

Um dia na minha vida me peguei só e esquecido
tal como aqueles objetos que um dia estiveram
no auge, fazendo companhia nos momentos de
puro folguedo.

Um dia na minha vida, me descobri na solidão
das coisas e decidi me olhar no espelho.

Então me perguntei:
Por onde andava você?

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