NA SOLIDÃO DAS CONCHAS
Regina de Souza

Tardinha calma, mar tranqüilo, gaivotas, ondas pequeninas que terminam num peito de pé envelhecido, mas ainda forte. Pisadas firmes o Isidro dá, de olhos fixos na areia ainda morna; olhos avassaladores que não deixam passar uma concha sequer sem vistoria. Vai pegando todas que lhe atraem o gosto e as coloca com todo o cuidado na sacola de algodão branco que lhe pende do ombro, molhada e cheia de areia e conchas.

Noite chegando e ele não se cansa nunca do ritual que lhe queima as horas, os dias, a vida e o pouco que ainda lhe resta de vigor. Duvido que quem o vir assim cabisbaixo, indo, possa imaginar o motivo que o transformou no que agora é.

Foi forte e valente lutador de box. O ringue era dele. Fez sucesso aqui e no exterior com seus socos duros e nocautes matreiros que feriam tantos quantos pisassem a mesma lona que ele. Ganhou dinheiro e fama suficientes para se estabelecer como comerciante na América do Norte. Depois de ter sido finalmente nocauteado, resistiu bravamente, chegando a perder lutas em troca de remuneração. Com o cérebro já lesado por tanta porrada, retornou ao Brasil para assumir definitivamente a vida mansa da terceira idade.

Foi morar em Santos com sua mulher. Muito o amava Ina e ele a adorava desde sempre, a partir do momento em que a conhecera -em Portugal-, onde os dois nasceram. Já estavam cansados e queriam sossego. Não tiveram filhos; o dinheiro ganho, daria tranqüilamente para o sustento do casal.

O apartamento em frente à praia era enorme, muito bem arejado por uma vasta varanda com portas de vidro. A vista era linda, mas ele só dormia lá. Saía já de manhãzinha e só voltava à tarde com sua sacola plena de conchas, estrelas do mar, caramujos e tudo mais que lhe atraísse a atenção. Aos poucos, foi lotando a casa com sua crescente coleção e das prateleiras, armários, cozinha, despensa e quarto da empregada ele se apossou para acomodar suas raridades.

Depois de um bom tempo, Ina se cansou daquela vida. Não havia espaço para mais nada ali, além do cheiro das conchas nas coisas, nas roupas, no ar. Pegou seus pertences, olhou pela ultima vez para aquele Isidro inexpressivo, sem gestos, nem falas ou qualquer coisa que lembrasse o homem que amara tanto. Partiu.

Ele? Ficou lá, separando conchas por cor, tamanho, beleza, brilho... 

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