COISAS SOLITÁRIAS
Reinaldo de Morais Filho

K. comprou uma planta artifical; e olhando-se no espelho, avisou que era para combinar com o teto verde.

Mentira. Era para lembrar de Ana. Comprou um borrifador para espalhar aquele perfume doce que ela sempre usava para ir ao cinema - e que o deixava enjoado após trinta minutos de filme.

Ana tinha suas táticas para fazê-lo ir para casa transar. Então, largava o amante na cama e tomava um banho de ervas finas para transformar enjôo em excitação.

K. poderia ter comprado um aroma de ervas finas, mas preferia sentir-se enjoado, ao lembrar Ana, do que excitado - como que não mais aceitasse se masturbar pensando na amante falecida.

Ana morreu com uma borrifada pequena de ervas finas em seu colo e o resto do corpo apodrecendo de culpa; pois, ao perceber que saía ao encontro de K. naquela tarde, viu a traição no reflexo dos seus olhos.

Pedro ainda fedia nas entranhas do seu ser, como que a saliva do beijo se escondesse entre os dentes e o gozo branco tivesse agarrado as células todas em sua vagina.

Ana se matou atirando-se da janela. E somente após dez minutos, o cheiro de sangue apagou o gosto das ervas que se espalhava nos ares, cinco andares acima, até seu quarto rosa.

K. nunca havia descoberto esta traição até ler as folhas amassadas da . E por isto comprou as rosas com borrifador de cheiro doce, ainda sem saber ao certo se queria prestigiar Ana, ou se queria enjoar-se dela.

Largou a planta artifical na mesa da sala, o borrifador em um canto qualquer na dispensa. E ficou algumas horas olhando para o espelho querendo acreditar que as flores brancas combinavam com o teto verde.

Olhou para fora do banheiro. Não combinavam.

Largou a planta artificial na dispensa e secou o 'borrifador com perfume doce' para molhar todas fotos e lembranças de Ana.

Sentou-se por tempo indeterminado na varanda, como que esquecido.

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