UM DIA SEM ADEUS
Virgínia Circhia Pinto

Amigo é coisa
Pra se guardar,
Do lado esquerdo
Do peito,
Mesmo que o tempo
e a distância
digam NÃO...
Milton Nascimento

Finalmente chegara o grande dia. Não que tenha esperado tanto tempo assim, pois há três dias havia recebido o convite. O que fazia sentir o coração inquieto era QUEM iria estar naquele encontro. Um almoço. Pré-encontro dos colegas de faculdade, para juntos, combinarem o encontro oficial, no início do próximo ano, para comemoração dos vinte anos de formatura. 

Tinha a sensação de pouco e muito tempo. Não conseguia sequer recordar-me de todos, mas dos que lembrava já sentia o coração bater na boca. 

Como estariam? Claro que todos mais velhos, a dúvida era se me sentiria bem na companhia deles. Todos devem estar mudados, com mulheres, maridos, filhos. A faculdade era tão longe da capital, que uma característica comum sempre fora morarem longe durante o curso e depois dele. Sabia que muitos estavam no Mato Grosso, outros aqui na Capital e muitos outros espalhados por este Brasil imenso.

Dos setenta e nove, dez estavam lá. Foi uma festa ao chegar.

- Menina, você não cresceu?

Respondi imediatamente.

- Agora só cresço pros lados. – rindo de mim mesma.

Foram risos e abraços. Muitos abraços. Apertados, saudosos, cheios daquela sensação de nunca termos nos separado. Imediatamente falei ao ouvido de uma amiga:

- Temos o grande privilégio de pintarmos os cabelos. Veja como eles estão grisalhos. 

Ela não perdeu tempo. Jogou as madeixas pra trás e se orgulhou do colorido brilhante e sedoso. Rimos juntas. Consegui perceber o quanto ela estava mais bonita, em segundos.

Olhei para cada um. Alguns tinham uma nuvem branca na cabeça, outros, nuvem prata e apenas um ainda tinha o cabelo preto. Não tive a deselegância de perguntar, mas pela cor, juro que pinta também. 

Estávamos todos felizes. Tive o cuidado de me aproximar de um por um para ouvir a voz e o que tinha a dizer, só pra mim. Nada egoísta, eu queria num deleite, no meio de tudo que sentia, redescobrir o que cada um representou naquele tempo da minha vida onde não morava a solidão.

Puxei uma conversa geral. Nos formamos em 1983 e de lá pra cá, de tão longe, é uma lembrança tão esfumaçada que às vezes penso que aquilo nunca existiu de fato. Um deles me diz que sente exatamente o contrário. É o período mais presente que sente de sua vida. Interessante como a mesma experiência pode ressonar de forma tão peculiar.

Namorei com quem me casei, todo o período da faculdade. Por este motivo, muitas festas e bagunças, perdi. Falaram de várias e ouvi com a sensação de que tinha perdido o melhor da festa. Lembraram das sextas-feiras e dos churrascos. Da coleta de dinheiro que começava logo cedo na faculdade, e o dia só terminava na manhã seguinte, regado a tudo o que tinham direito e vontade. Todos tinham um detalhe a acrescentar que fora inesquecível.

Ouvia tudo com muito entusiasmo. Cada um falou de quem da turma tinha notícias. Senti-me de fora. Só mantive contato com dois. O anfitrião, que fora meu melhor amigo e a amiga que dividia comigo os melhores e piores momentos deste tempo e que deixou em nós a marca da amizade, da alegria de viver e da essência do que seríamos mundo afora. 

Deu saudade de tudo. Até do que não vivi e estava lá pra ser vivido. 

O dia já era noite e nos lembramos de que não tínhamos organizado nada para o encontro de todos. Sugestões, acertos, idéias, datas, formas de localizar os que sumiram, cidade ideal para o acesso de todos. Tudo acertado. Ninguém queria ir embora. 

Como a cerveja já falava por si mesma, começamos a falar o que era permitido e o que não era. Segredos, amores secretos, amores escondidos, paixões impossíveis, professores cretinos, os que morreram, os que ainda deixaram saudade, as divergências antigas de cada um, as mágoas, meninas lindas que se tornaram muito feias, meninos que se perderam no caminho e precisam de nossa ajuda, gente amiga que decepcionou por ter esquecido a origem, se distanciando para sempre de nossa alma. Gente que casou, que descasou, que foi amada sem nunca saber, gente que ainda sentiu que era tempo de correr atrás e talvez viver um grande amor. As palavras perderam toda a censura e nos regozijamos com a alegria e pureza daquele momento único e especial. 

Era difícil ir embora, quase impossível. Só conseguimos nos despedir com a promessa de nos vermos muito em breve. Já era noite alta. Beijei e abracei carinhosamente um a um. Queria levar comigo o cheiro daquele dia gravado em minha memória.

O caminho de volta era longo. No rádio começou a tocar a velha canção do Milton, que tocou em nossa despedida - Canção do Amigo. A emoção tomou conta de mim. Parecia que tinha criado asas e conseguia, naquele instante, abraçar meu mundo. Sentia minha alma levitar em agradecimento e prazer pleno, por ter vivido aquele dia e todos os outros de minha vida.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.