BALA "ACHADA"
José Luís Nóbrega

Num estampido, a bala fria e mortífera nasce para o mundo.

Em espiral, a bala vaga pelo espaço na procura incansável de "achar" um lugar onde possa morrer em paz. Um lugar para descansar uma vida efêmera... de alguns poucos segundos.

Por ser fugaz, a bala deseja o estrelato logo que nasce. Deseja ser notícia. Deseja ser a atriz principal num filme onde o final é triste, e para esse intento, sai à procura de um ator coadjuvante. 

Um milésimo de segundo; dois milésimos... e a bala ainda procura sua vítima, seu ator coadjuvante, para não morrer "perdida" no anonimato.

Um segundo de vida... Mais um milésimo de segundo... e já em desespero, pressentindo que morrerá sozinha, pede auxílio ao destino, diretor hollywoodiano consagrado em filmes trágicos.

Num parquinho infantil, uma gangorra sobe... e desce; sobe e desce... e sentado nela, bala e destino acreditam que aquele indivíduo, mesmo em tão tenra idade, se transformará em ator famoso de um papel secundário.

A gangorra sobe... e desce... A bala freia sua trajetória por alguns milésimos de segundo. Para que o filme possa concorrer a algum prêmio, o ideal é abater a vítima longe do solo. E assim, com a ajuda do diretor, a gangorra inicia uma subida mais rápida, fazendo com que a atriz principal encontre o peito do jovem coadjuvante.

Antes de morrer, a bala agradece ao destino pelo estrelato. Sem a ajuda dele, certamente se transformaria em mais uma "bala perdida", pois "perdida" é a bala que não encontra um personagem secundário. Mas ela não. Ela morreu como uma verdadeira "bala achada", digna das melhores manchetes.

Encerrada a sessão, a platéia chora ao assistir a mais um final triste de um filme urbano. O ator coadjuvante não receberá prêmios, e em pouco tempo será esquecido. Já a estrela do filme será tema de novos roteiros, e aparecerá por muito tempo no noticiário policial. Retirada com todo cuidado após sua morte, por mãos revestidas de luvas, será colocada dentro de um saco plástico, onde descansará pela eternidade no rol da fama...

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