COISAS DA VIDA
Beto Muniz

 
 

Faz algum tempo que não escrevo. Sinto falta, mas não tenho a mesma ânsia de antes em publicar o texto quentinho, acabado de sair do forno, nem encontro as motivações que me conduziam madrugadas adentro em busca da frase perfeita, do parágrafo mágico. A idéia para o texto feliz já não me visita e a última visão antes de desligar e ir dormir é essa tela branca, vazia de musas, repleta de abandonos e desmentindo o escritor em mim. Se bem que não faz tanto tempo assim que me descobri escritor. Não! Escritor é muito, sou menos que escritor, talvez um contador de causo, sem desmerecer os contadores de causos, lógico. Mas se vou falar de mim devo deixar a modéstia de lado, ou elimina-la completamente, e tentar informar o leitor da diferença, ou diferenças, entre um contado de causo e um escritor.

Entendo que o escritor apascenta palavras. É um pastor de vogais e consoantes, aquele que junta as melhores frase num aprisco e vigia para que nenhum lobo venha devorar seus parágrafos. Custa-lhe muito cada texto e nada, nenhuma tosquia, é despropositada. As vírgulas são postas cuidadosamente onde os estudos determinam que cabem. O escritor não se aventura com seu rebanho a beira do abismo. Sabe quais são os limites e não os ultrapassa.

O contador de causo é um andarilho, ama o abismo, tem asas! Ele não faz questão de botar suas histórias num papel, não ajeita as vogais, não considera as regras, apenas varre palavras como se elas fossem folhas caídas na estação de quedas de folhas, e narrar o colapso da árvore lhe é mais banal que juntar seus restos num mesmo monte onde apenas a forma de monte de folhas importa. Sim, que o contador de causos gosta mesmo é de atrelar palavras umasnoutras formando carreirinhas de novos palavreados embelezados com poética singela, própria. Ele desfila suas histórias como se contasse tudinho num sussurro ao pédovido, sem presa, sem compromisso com a verdade, sejam fatos ou infartos o contador de causos conta tudo com o mesmotom. Sem pretensão, assim, como tento fazer e nunca sei se consegui... Talvez porque não apascente palavras.

Não sei se devo parar de escrever, sei apenas que não tenho as mesmas vontades de antes e as motivações que me conduziam madrugadas adentrando os dias em busca da frase perfeita, do parágrafo mágico e do texto feliz já não me visitam e a ultima visão antes de desligar e ir dormir é essa tela branca, vazia de mim, repleta de abandonos, tantos quanto o nãos que me presentearam ao longo desta curta jornada literária. Tenho bons textos, boas sacadas e outros tantos equívocos publicados, sei bem das minhas limitações. Nem diria que por saber destes limites é que fui deixando o sonho de ser escritor adormecer em meu peito, acredito que essa desesperança nasceu mesmo foi de tomar conhecimento da indiferença dos meus iguais: brasileiros sem eira, gente sem beira, sem horas vagas, sem disposição para se ocupar de um conto, uma poesia, uma frase talvez. Escrever para quem? Não sei se terei resposta e enquanto espero essa tela em branco me agride.

 
 

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