SUBMERSA
Patrícia Lopes
 
 

Eu, quando amo, sou assim: um precipício. Sou exatamente o que posso, desarmada e complexa, pequenas estradas que se cruzam e chegam a lugares nenhuns, um mapa do metrô de Paris ainda mais confuso. Envolvo-me em qualquer nó e nada me escapa nem me desata. Sinto com uma riqueza absurda de detalhes as mentiras que invento. E sofro, por cada uma delas, uma dor aguda e maior do que eu.

Ele não. Ele passa pela minha vida na ponta dos pés, como quem pisa em chão de vidro, como quem já está indo. Ele ama no raso e flutua em mim, olhando para o céu, para cima, para ontem, nunca para o fundo, nunca para dentro. E é lá que eu estou.

Ele me convida para ficar na superfície. Me implora para não olhar nos olhos, para não deixá-lo assim tão transparente. Mas eu sempre quero ver a carne viva, o osso. O fim da linha, do túnel, do poço. Quero saber como termina. Como fica a festa depois que todo mundo vai embora? O que acontece nos bastidores do que é lindo? Preciso saber da escuridão de todas as coisas.

É que eu, quando amo, fico grave assim, desmedida assim. Desço todos os degraus. Fico lá embaixo, esperando por ele. Sei que ele não vem, mas espero aflita, inventando mais uma das minhas histórias, querendo, chorando, e morrendo um pouco. Ele não vem nunca.

Nessa hora me dá vontade de ser rasteira, de não ter raiz.

Mas não vou subir. Prefiro o sufoco de estar nas estranhas, de saber que não há nada abaixo. Suporto mais essa aflição sem oxigênio do que a paz de ser pouco. Pelo menos daqui não tenho como cair.

 
 

fale com a autora