IMORTAL
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães



Ao contrário das empresas e do comércio, nesses tempos difíceis de crise e desemprego, na “Academia” sempre surgem vagas. Não que tenha aumentado o número de cadeiras - que continua o mesmo desde a fundação em mil e oitocentos e...-; Mas por causa da rotatividade. Os Imortais, como eu, por exemplo, que fiz 88 em maio último, quando eleitos, já estão mais pra lá do que pra cá; o que pressupõe uma sempre iminente vacância.


Cá estou. Pelo reconhecimento à minha única obra escrita de um fôlego só num arroubo nacionalista na juventude: Um tratado sobre o Tratado das Tordesilhas. Alguém leu? Meu neto, com certeza. Pois, não é que o jovem, não sei se por troça ou por ignorância, quis saber se eu estivera presente lá, na presença do Sumo Pontífice, por ocasião da demarcação da linha imaginária? Ah esses moços, pobres moços! Eu também já fui um deles. E naquele tempo, pelo menos na minha cabeça, não passava a idéia de me tornar imortal. Mesmo porque tinha a vida inteira pela frente e não me interessava o seu cruel desfecho.


Hoje, vergado pelos anos e envergando o meu fardão engalanado, compareço, sempre que me permite o reumatismo, às tradicionais sessões e ao chá das quintas. Não alimento ilusões quanto à imortalidade que nos é oficialmente concedida; já que nós, poetas e prosadores, costumamos abusar das figuras de linguagem, principalmente das metáforas. Acho até que o único homem de letras que merece este adjetivo, Imortal, é aquele escritor introspectivo lá do Sul que nunca se deixa fotografar ou entrevistar, e a quem chamam de Vampiro de Curitiba. Não são os vampiros imortais? Pois justo este senhor, cujo texto é biscoito fino, como diria o meu neto, não está nem aí com a “Academia” e suas formalidades.


Hoje porém, por obra de uma ciência cada vez avançada, esperanças nos acenam. Um amigo meu, o Rocha, por exemplo, alcoólatra desde a adolescência, fez transplante de fígado e está novinho em folha. Pode beber por pelo menos mais quarenta anos. Outro, o Edgar, antigo garanhão, resgatou antigas habilidades da sua juventude graças a uns comprimidinhos azuis que fazem a alegria da terceira idade. Trocou até a esposa por uma trinta anos mais nova!


Dentro do tempo que ainda me resta, sigo usufruindo do meu vitalício privilégio beliscando migalhas de imortalidade ou atirando-as aos pombos que povoam a praça que freqüento toda tarde, como convém àqueles da minha faixa etária. Sinceridade? Essas moças todas que desfilam no passeio com suas roupas cada dia mais provocantes ainda mexem muito comigo. Pena que essa imortalidade seja efêmera.

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