O IMORTAL
Raymundo Silveira

 

Escreveu inúmeros livros, sendo os principais títulos: “Como Viver Feliz Com Sua Neurose”, “Enriqueça Sem Precisar Trabalhar”, “Como Fazer Inim igos Cordiais”, “A Felicidade Em Doze Lições, Sem Mestre”, “Emagreça Quatro Quilos Por Dia Comendo Muito”, entre outros. Como ele próprio havia enriquecido logo (sem trabalhar), comprou uma vaga na Academia. Era um dos sócios mais prestigiados por causa das generosas doações que fazia à entidade. Apesar da evidente mediocridade, punham-no de orador oficial em qualquer cerimônia solene, mas tinham antes o cuidado de mandar redigir o texto da sua fala e faziam-no treinar várias vezes, pois costumava engolir vírgulas e pontos, além de pronunciar as palavras foneticamente aleijadas.

Sua entrevista à revista “Ou Seja” ficou famosa. Malhou James Joyce porque nunca vendeu muitos livros e porque “Ulysses” seria o romance menos lido do mundo. Seus autores favoritos eram Malba Tahan, Sidney Sheldon e Harold Robbins. Dizia-se admirador de Thomas Mann, cujo livro “O Mágico de Oz” destacava como o melhor; já o havia lido três vezes. Ignorava completamente Stendhal, Daniel Defoe, Turguêniev, Collete, Curzio Malaparte e Alberto Moravia. Declarou que a obra de Oscar Wilde havia caído no ostracismo desde que escrevera “Os Subterrâneos do Vaticano”. Disse ainda que Pirandello seria o seu autor predileto de romances policiais; que “O Grande Gatsby”, de Ernest Hemingway a seu ver não tinha qualquer valor literário por se tratar de uma obra autobiográfica e que “Viagens de Gulliver” era a maior obra de Herman Meville por se tratar do “expoente máximo” dos livros infantis. Ao ser indagado sobre o que entendia por literatura respondeu que, para ele, a literatura seria o sorriso da sociedade.

Todavia, era um imortal e se vangloriava disto. Só tinha uma frustração: não ter recebido ainda pelo menos um Nobel, mas achava que isto era só uma questão de tempo. Para ele, o Céu era o limite. Não falava com leitores, nem com colegas a quem julgasse intelectualmente inferiores. Certa feita – no plenário da Academia -, um funcionário o interpelou entre uma sessão e outra: “Professor, encontra-se lá na Recepção um sheik árabe insistindo em conhecê-lo; o que devo dizer?” A resposta veio curta e grossa: “Que existem fotografias minhas para serem vendidas na recepção”.

Está quase sempre viajando. Quando esteve na Espanha para o lançamento de “Enriqueça Sem Precisar Trabalhar”, manifestou seu desejo de realizar um sonho há muito tempo acalentado: conhecer “Las Palmas de Teneriff”, pois já havia lido bastante acerca das ilhas baleares, principalmente sobre Majorca. Após o lançamento na Suiça de “Como Viver Feliz Com Sua Neurose” confessou aos assessores sua contrariedade. Manifestava com veemência a intenção de processar a editora por quebra de contrato, pois neste constava que o evento teria lugar em Basiléia, mas, segundo ele, teriam transferido para Basel. Em Sevilha se recusou a dar uma entrevista no saguão do hotel. Queria saber como seria a decoração do ambiente e o agente literário espanhol a des creveu ligeiramente; quando soube que as cortinas eram “de color roja”, mandou cancelar imediatamente. “Não sou supersticioso, disse, mas só participarei da entrevista se trocarem as cortinas; jamais entrei num ambiente em que o roxo fosse a cor predominante”.

Na Academia nunca faltou a alguma sessão, a menos que estivesse viajando. Também jamais dispensava o fardão, o chapéu engalanado e a espada. Afinal de contas era um Imortal.

 

 

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.