MAPEANDO INCERTEZAS
Juraci

 

Motivo de muita alegria para os pais, o nascimento da menina Gracilda. Por ser muito bonita fora apelidada de Graça. Caçula, numa escala de cinco. Paparicada como ninguém, cresceu realmente graciosa. O pai, um negro boa-pinta, alegre e trabalhador; a mãe, uma "potranca" bem delineada pelas mão do escultor.

Graça cresceu e foi para a escola. Era a linda da sala e muitos olhares caíam sobre ela. Com seus quatorze anos, muitos pretendentes. Ela se recusava a todos. Tinha medo de namorar. Gostava deles, mas, distantes. O tipo de aula que mais lhe interessava era sobre a sexualidade.

Um dia, lendo algumas revistas e recortando figuras para uma tarefa escolar, algo lhe chamou a atenção: o órgão sexual feminino. Comparou com o seu e percebeu uma irregularidade não sabia se no da imagem da revista ou na sua parte íntima. Começou a procurar respostas para suas perguntas:

- Por que o "meu" é bem maior? Um pênis? Será que vou ser igual às que têm preferência pelo mesmo sexo? Quantas incertezas!

Não podia falar com a professora, muita menos com a mãe ou mesmo, uma colega de escola para não proliferar assunto tão delicado para ela.

Um dia, ao manusear e analisar sua vulva sentiu que o clitóris aumentava ainda mais de volume e um prazer vulpino a possuía, inexplicavelmente. Foi ao banheiro e deu uma refrescada com a ducha do chuveiro, mas tudo "piorou" quando a água da mangueirinha escorreu sobre o seu grelo. Descobriu, pela primeira vez, sozinha, o oculto de sua sexualidade. Sentiu uma sensação de prazer desbravando um mundo selvagem, ignorado. Algo nela havia despertado. Confirmava isso ao deslizar o sabonete pelo corpo, sentindo o prazer de se tocar...

Graça foi se tornando uma moça introvertida, não participava das rodinhas no pátio da escola e se afastava cada vez mais do sexo masculino e de todos. Buscava refúgio nos espaços isolados...

Certa vez, quando foram a um piquenique no córrego, numa brincadeira desenfreada, jogaram-na dentro d'água com roupa e tudo. Uma colega mais perspicaz percebeu algo estranho, um volume mais elevado que o normal aprisionado pela calcinha e, puxou-a para um canto mais distanciado da turma, encurralando-a com perguntas e o tal "deixa-me ver". Foi aí que a aluna descobriu a graça da Graça.

Tornaram-se amigas e ela começou a colocar caraminholas na cabeça da menina. Cada dia uma foto, uma revista do sexo, explicação nova, coisas desse tipo. Não foi diferente, "rolou um clima" e Graça desvencilhou-se com delicadeza. Não queria trilhar por um caminho de poucos.

As duas continuaram sempre juntas, única companhia possível. Outras a desprezavam.

Muitos buchichos e cochichos, comentários jocosos, rostos indo e vindo sem nada de sutileza, escancaradamente as depreciavam. Graça não se encontrava e suplicava ao Criador, alguma orientação, alguma bússola, para que pudesse encontrar sossego e paz. Ser flor seca que não produzisse a semente, a vida, não correspondia ao que desejava. Tomou uma decisão drástica. Fugir de tudo e de todos. Logo que concluiu o ensino fundamental, com a mochila nas costas, coração ansioso, partiu. Ganhou distância de carona em carona. Viu nascer várias madrugadas, muitas fases de lua. Guiava-se por outras incertezas, não podia confiar nos caminhos que o seu sentimento lhe indicava.
Certo dia, quando o sol começou a despontar no horizonte, o asfalto sob os pés dava lugar a uma nova janela que se abria. Mapeamento de planos, esperanças renovadas mesmo sendo incógnitas.

O corpo cansado se entregou ao primeiro sinal de vida verdadeira, sem olhares ocultos pelas frestas maldosas.
Ouviu o barulho do mar entrando suavemente pelos ouvidos. Um sorriso tomou conta de sua cara marcada pelos rastros da segregação humana. Esperou o novo dia, levantou-se vagarosamente da areia salgada, mochila novamente nas costas, agora à procura de um vento de chegada. Até de um convento ou um internato para adolescentes.

Oito anos se passaram e numa tarde quase banal, Graça casou-se com o chefe do internato. Para sua melhor satisfação, percebeu que era uma mulher normal e muita amada pelo esposo. Se completavam e construíram seu castelo de verdades, de paixões sólidas.

 

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