MILDRED, JURO QUE É VERDADE!
Alberto Carmo

Mildred,

Entendo que esteja com essa crise de ciúmes. Mas tente acreditar em mim, meu tesouro. Há coisas na vida que são tão difíceis de explicar. Tudo leva a crer que é assim, mas às vezes é assado. Como vou fazer você entender, meu coração? Faça um esforço mental e imagine a situação injusta em que me encontro hoje, aqui diante de você com essa cara de leoa querendo estraçalhar este pobre, indefeso, e inocente gnu.

Veja bem, Mildred, não é nada do que está pensando. O motivo de eu ter ido àquela boate foi puramente profissional. Senta aqui pertinho e escuta atentamente meus sólidos argumentos, e vai ver quão cruel está sendo comigo, minha suçuarana pintadinha.

E, Mildred, enquanto a gente conversa, frita uns torresminhos no capricho, amore mio. Meus pensamentos ficam mais claros quando eu belisco alguma coisa. Aliás, Mildred, eu sempre gostei de beliscar suas pernas - desde os tempos das aulas de Educação Física no Científico. A gente ficava espiando vocês com aquelas sainhas curtas fazendo ginástica com bambolê. Você era a que rebolava mais. Eu logo fiquei enfeitiçado pelo seu remelexo, Mildred.

Então, meu sonho de valsa, sabe aquele cliente que veio de Miami importar uns badulaques da empresa? Pois é, como de praxe, a gente convida os clientes para sair à noite onde quiserem. E ele foi logo dizendo que queria conhecer uma dessas boates que têm meninas de programa, imagine só! Que culpa tive eu nessa parada, minha canária da terra?

Mas, Mildred, você sabe que o cliente sempre tem razão, por isso eu logo me lembrei da Sweet Paradise, que tem umas minas de tirar o fôlego. Pensei cá comigo: - Ele vai gostar e vamos fechar bons negócios. A satisfação do cliente acima de tudo!

O torresmo já está pronto? Deixa ver. O que é isto, Mildred? Parece pipoca amanhecida! Minha Rosa Púrpura do Cairo, você não deixou fritar bem de novo. Eu já disse tantas vezes que eu gosto bem pururuca, Mildred. Eu até comprei aquele avental curtinho e sensual pra você arrasar na cozinha e fazer uns acepipes de dar inveja ao Fred Bongusto. Docinho, pega essa gororoba, põe numa latinha e deixa no quintal. Os gatos da vizinha vão dar cabo disso, Deus queira!

Daí, Mildred, eu fui obrigado a levar o gringo até a boate, e ele se engraçou com uma loiraça vestida com um colant de tigresa, e que tinha um corpo simplesmente estonteante, uma escultura de Michelângelo pra gaiato algum botar defeito. E como ela viu que o cara estava comigo e era cheio da grana, veio sorrateira e me deu esse cartãozinho que você achou no meu paletó com o telefone e os dias de folga dela. Puro gesto profissional, Mildred! Você sabe como o mercado anda competitivo e ela também tem que pensar no leite das crianças.

Seja generosa, Mildred! Não vê o quanto a gente pode melhorar a condição de vida dos mais necessitados com o simples gesto de aceitar um mero cartão de visita? Ela também é filha de Deus, Mildred! Só quis garantir o share de mercado quando vier outro cliente na empresa. Entendeu o meu ponto, minha queijadinha? Foi por caridade desinteressada que eu fiquei com o cartão.

E Mildred, já que a gente se entendeu, veste o aventalzinho que eu te dei e vamos lá pro quarto, que eu quero me embebedar nas tuas alquimias. Me deu uma vontade danada só de ver você assim tão atenta às minhas assertivas. Sabia que ia entender. Você é diferente das outras, minha avelã. Como eu sempre disse, você é quase perfeita.

Mas, Mildred, na próxima vez seja boazinha e deixe o torresmo bem tostadinho, no ponto.

Mildred, sobe logo, minha bruma de Avalon!


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