UMA NOITADA
Humberto Raposa Celia-Silva

Para a grande maioria das pessoas um garoto de 16 anos já deveria ser "safo" o suficiente em assuntos como estes, mas a verdade é que nunca as coisas são tão fáceis quanto parece. A noite mal tinha começado e ele já estava todo arrumado, perfume não tinha, mas seu desodorante quebrava o galho. Ao menos ele não seria importunado pelos amigos por ficar usando "perfuminho" para ficar "cheirozinho", e outros tantos diminutivos que em maior ou menor grau duvidariam de sua opção sexual. Desodorante sim era coisa de homem que é homem e não meio termo, e também, as garotas gostavam, era o que diziam por aí. "Melhor que isto só bafo de cerveja!" Mas era proibido vender cerveja pra menores de 18, não que isto fosse impedimento, ninguém precisava saber da idade dele, e também tem sempre um "amigo camarada" que pode comprar para os outros. Mas o problema não era este! Ele conhecia sua própria mãe e sabia que ela poderia detectar o mínimo odor de álcool, mesmo com alho ou coisa pior por cima pra disfarçar, talvez ela "jogasse um verde" ou fosse a experiência dela, mas é fato que ela saberia se ele bebesse, então era melhor nem arriscar.

Já na frente da boate havia o primeiro problema, ele tinha apenas 16, mas tinha a sorte de seus amigos serem todos maiores de idade e de um de seus conhecidos ser amigo da maioria dos seguranças de boates. Um pouco de conversa e talvez um "jabá" para o segurança e a entrada era garantida. Lá dentro os outros problemas iriam aparecer. Nenhum de seus amigos ficaria no grupo por muito tempo, eles sempre encontrariam alguém com quem aproveitar melhor o momento, "ficar" pra ser mais exato. Esta era a palavra que ele não queria nem lembrar mas que estava sempre lá, presente no ar. Não demorava muito para ele se sentir cercado por "ficar" por todos os lados. Mas ele em especial nunca conseguia nada. Se não fosse por um pequeno romancinho de crianças com uma vizinha quando ele tinha 10 anos ele nunca teria beijado na vida, mas já faz quase 7 anos que ele não beijava ninguém e isto o pertubava o sono, e justamente por não conseguir dormir é que ele estava na boate. Mas a situação estava ficando feia. Enquanto todos os seus amigos se arranjavam ele continuava na mesma, dançando um pouco o "tunch-tunch" ou então fingindo que o guaraná no copo era cerveja, que mau fazia fingir um pouco? Mas ele não conseguia manter um sorriso no rosto ou ao menos uma expressão aceitável. Ele era bonito, mas seus ares de incomodo afastavam um pouco as pessoas, ao menos é o que ele pensava. O que lhe restava quando os pés cansavam de dançar era ficar sentado observando as pessoas a sua volta, não era muito divertido, elle confessava, mas não havia nada melhor para se fazer, não enquanto todos os seus amigos estivessem "ocupados".

Derrepente ele viu no meio daquela multidão um rosto conhecido. Era uma amiga, na verdade uma conhecida dele. Era amiga de uma amiga de sua mãe e estava estranhamente sozinha, e chorando. Já que não havia nada melhor para fazer ele resolveu ir conversar com ela, talvez até pudesse ajudá-la. Começou a andar distraidamente até a mesa onde ela estava sentada, mas passou direto. Sentiu um suor frio e um vazio momentâneo na mente. O que ele diria? Como se aproximaria? Sabia até o nome da garota, mas não sabia muita coisa além disto, fora as fofocas que ouvira sua mãe dizer sobre ela. Tinha um namorado, isto ele sabia, mas "se ela estava lá sozinha provavelmente não estava com o namorado". "Muito óbvio...!" pensou ele "Quanto tempo levei pra completar este raciocínio? Seu ser estúpido!" Agora lá estava ele, no balcão, de costas pra garota. Talvez ela até o tivesse visto. Comprou um refrigerante mas resolveu pedir outro, talvez a garota estivesse com sede. Se aproximou mais uma vez, mas desta vez conseguiu parar de frente a mesa. Ela levantou a cabeça percebendo a presença dele e aparentemente o reconheceu na hora. Enxugou rapidamente as lágrimas e sorriu pra ele em saudação. Ele sorriu de volta, ofereceu o refrigerante e se sentou, o vazio na mente voltara. Agora ele estava lá sentado de frente a ela sem nada o que dizer, e o pior era a cara dela de quem estava esperando que algo fosse dito.

- Oi, tudo bem?

-Tudo

O silêncio foi assustador, mas a mente de le voltara a funcionar. Lembrara-se que ela tinha apenas 15 anos e também não deveria estar lá.

- Você não deveria estar aqui...-quando terminou de falar percebera o erro. O rosto dela passou de um avermelhado por causa do choro para um pálido-fantasma. Com certeza ela não deveria estar na boate. Mas ele se controlou e completou numa risada fouxa- Eu também não! Mas ninguém precisa saber.
Havia sido o suficiente para quebrar a tensão do primeiro momento, ela sorria meio encabulada por ter sido descoberta e por não saber o que dizer, mas não era a única, ele tentava pensar em alguma coisa para puxar assunto, veio logo de momento uma piada sobra baladas que ele havia ouvido no início da noite. Ela riu-se, ele também. Foi o suficiente para eles começarem a conversar animadamente.

Depois de algum tempo eles estavam sentados mais próximos e a conversa estava diminuíndo. O assunto era muito, mas eles já não queriam apenas conversar. Ele só percebera agora que estava gostando dela, e alguma coisa dizia para ele dar uma arriscada. Mas as palavras certas não saem quando ele quer e ficaram entaladas na garganta dando lugares a outras. Ele se lembrava toda a hora que ela tinha um namorado e que ele não queria apanhar para o brutamontes. Então, num desvio de asunto, ele perguntou por que ela estava chorando naquela noite. Os olhos dela encheram-se de água por um instante, e engolindo o choro falou que não era nada. Depois de um pouco de insistência ela confessou. Havia vindo com as amigas porque o namorado disse estar ocupado, mas o encontrou dentro da boate com uma outra garota, uma de 19. Os dois brigaram e ela se sentia horrível. Agora ela estava chorando e ele apoiando a cabeça dela meio desesperado e sem saber o que fazer ou dizer. Queria dizer que ela não devia se preocupar com isto, que se o (ex-)namorado a traíra era porque não a merecia, mas ele simplesmente não sabia como dizer isto, nenhuma palavra lhe veio a mente, ele apenas ficou lá apoiando a cabeça dela por alguns segundos e depois decidiu abraçá-la, talvez isto pudesse fazê-la se sentir melhor, e na verdade funcionou. Os soluços dela diminuíram o rítmo e o choro parara. Ele passou a mão afavelmente sobre a cabeça dela acariciando-a o cabelo. Ela parou de soluçar e olhou para ele, nos olhos, um calafrio lhe percorreu a espinha, ela era linda e seus olhos azul-cristal agora fitavam-o como se conseguisse ler nele todas as palavras que ele não conseguia dizer. "Você é linda..." pensou ele quase que soprando as palavras junto. Passou a mão nas bochechas dela acariciando e enchugando-a das lágrimas. Ela avançou o rosto um pouco e ele ficou paralisado, mas logo estavam entrelaçados num longo beijo.

Por um momento parecia que todos pararam para olhar os dois neste momento, mas a verdade é que aquela massa humana de dois metros se locomovendo como um dinossauro com botas de metal e empurando todos os que estavam na sua frente atraía muita atenção para ser ignorado. O brutamontes (ex-)namorado dela se aproximou bufando algo como "O que pensa que está fazendo com a MINHA namorada?!?", e dava ênfase a palavra "minha". O brutamontes levantou o garoto de cima da SUA namorada e andes do pobre garoto poder perguntar o que estava acontecendo foi levado ao chão com um único soco.

Ele acordou como se estivesse com ressaca, mesmo sem saber como é estar com ressaca, mas sabia que deveria ser algo como aquilo. O rosto ardia em alguns lugares e ele nem ousou tocar-se para verificar a gravidade da situação. Com certeza estava deformado e roxo, ou ao menos roxo. Quando se deu conta percebeu que não estava em sua cama nem no seu quarto. As paredes eram cobertas com fotos de atores e estantes cheias de bichos de pelúcia e o lençol que o cobria era roxo. "Talvez meu olho esteja desta cor..." Pensou ele. Nisto ele vê a garota da noite anterior abrindo a porta cautelosamente:

- Você acordou! Está se sentindo bem?

- Sim. Fora o rosto meio dolorido...

-Me desculpe... Eu me sinto tão culpada!

Ela se sentou perto dele e explicou os detalhes da noite anterior, ou a parte entre o desmaio dele até quando ela o levou até em casa. O brutmontes havia pulado em cima dele no chão e dado mais alguns socos até que foi levado por seguranças até a delegacia. Deve ter acordado numa cama bem menos confortável que aquela. Ele se sentiu muito satisfeito com isto mas esperava não ter que encontrar com o brutamontes tão cedo.

- Não se preocupe com ele. Já não é mais meu namorado. Eu fui uma tonta em namorar com um orangotango como aquele...

- E ele aceitou numa boa?

- Acredito que sim. Aquela Garota de 19 que estava com ele acompanhou-o até a prisão. - e resmungou baixinho consigo mesma "Eles se merecem, aquele pitbull com aquela vaca..."

Os dois passaram a manhã de domingo inteira juntos e decidiram meio que sem usar palavras que ficariam juntos e provavelmente namorariam. Formavam um belo casal.

Mas infelizmente pra ele o final não seria tão feliz quanto pra ela. Ele teria que voltar pra casa e, enquanto sua mãe gritava e bravejava por deixá-la tão preocupada e por não ter dado sinal de vida, tentar explicar as marcas roxas e a noite fora. Fora como ele havia previsto, sua mão o deixou de castigo.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.