COITOS EXEMPLARES II
Beto Muniz

 
 

O Deco chegou com algumas latinhas de cerveja e me flagrou enrolado na toalha escorado no batente da porta ainda. Estranhou a posição de espera e perguntou se o Clóvis o tinha anunciado ou se eu estava esperando alguma perva subir. Mandei ele calar a boca, entrar e fechar a porta. Desde que me separara estava morando no apartamento dele, quero dizer, era dele antes da noiva proibir que ele morasse debaixo do mesmo teto que eu... mas como não se nega teto para um amigo, o Deco foi morar com a noiva e eu tomei posse do apartamento.

Abri uma cerva e narrei o encerramento do jejum como quem conta sobre unha encravada, e já mudei o rumo da prosa perguntando se tinha erva além da cerva - nossa trilogia era erva, perva e cerva, necessariamente em qualquer ordem possível. Coisa mais boba lembrar isso agora! Mas funcionava mais ou menos assim: vez ou outra o Deco escapava da noiva, ligava pro Zé e a gente passava a noite fumando e bebendo. Quase meu amigo perde a futura esposa nesse período, só não perdeu porque tudo de errado que ele aprontava a culpa era minha, ou seja, ela não admitia ser noiva dum cara todo errado. Mais fácil e cômodo culpar eu ou o Zé. O Zé era alcoólatra conhecido, o porteiro quando via alguém cambaleando na calçada já abria o portão do condomínio e chamava: "Zé! Aqui Zé!" E a merda é que era o Zé mesmo. O sujeito prestativo botava meu amigo no elevador, acionava o décimo segundo andar e corria pra interfonar que tinha encomenda no elevador. Melhor avisar para não dar sujeira com o Zé zanzando bêbado pelos andares do prédio.

Deco não tinha erva, apenas curiosidade em saber detalhes. Contei da Teca e da sucessão de fatos estranhos que culminaram nos detalhes que lhe narrava. Ele ficou com dó de mim, conhecia a fulana da locadora, e propôs me apresentar uma prima solteirona, caso eu ainda estivesse precisando curar desespero. Agradeci profundamente comovido e aceitei. O nome dela era Paula. "Menos feia que a Teca" - me garantiu - "Comissão de frente perfeita, fenomenal do pescoço para baixo". Deco descreveu a prima enquanto eu a comparava, mentalmente, e de lembrança, com o lombinho do desjejum. A Teca era feiinha sim, mas do pescoço para cima. Da curva do queixo para baixo ela tinha seus atrativos, pena que insistisse em parecer uma serviçal imóvel do prazer. Tão quietinha! Um presuntinho quente. Nem incomodava... Bicho homem é tonto mesmo, alguma compaixão se formou lá onde o sangue era bombeado para o cérebro e ficou pulsando, cadenciado, se espalhando pelas veias. Logo a lembrança do corpo nu, abandonado sobre os lençóis e disponível para satisfazer meus desejos, era uma torrente de simpatia percorrendo todos os vasos sanguíneos, irrigando e aquecendo meu corpo. Não era amor, nem paixão, era apenas a gratidão diante da possibilidade de prazer imediato sem cobranças, sem movimentos e o melhor, sem compromissos. Melhor pensar na Paula e se livrar dessa criatura cujo cheiro impregnava na minha cama. Deco concordou, a situação era extremada e merecia tratamento intensivo.

Conheci a Paula no dia seguinte – primeiro sábado pós-separação que passei longe do meu filho, isso viria a se tornar uma constante nos finais de semanas seguintes. Paula tinha olhos lindos, e seios maravilhosos, só isso. Dela posso dizer que não apreciava o coito, propriamente dito, mas se entregava com tamanha devoção oral que fazia qualquer cristão desejar morrer ali, devorado pela neo-vampira. Naquela madrugada milhões de minúsculos EUs natimortos saciaram a gulodice da beata Paulinha Vamp. Pela manhã eu era um homem renascido, livre de pecados e da companhia da Paula. Os domingos me lembram ressurreições e naquele dia, para completa redenção, faltava-me apenas um ato de, digamos, penitência. Talvez caridade. No meio do dia estava considerando fazer uma visita à locadora, não achei apropriado e optei por um telefonema no final da tarde. Vídeo delivery. No início da noite chegou minha encomenda, lombinho em domicílio. Foi como eu disse: Nunca mais durou exatas 48 horas.

Seis meses pós-separação eu estava assim: Pecador quase redimido; dois amigos muito mais que irmãos me aporrinhando a vida e alegrando os dias, que amigo serve mesmo pra te acompanhar ao fundo do poço e fazer uma festa quando chegar lá; um filho esquecido do outro lado da cidade; e duas mulheres que juntas não completavam uma. Teca continuava imóvel durante a refeição, por vezes eu me imaginava espancando aquela carinha feia em busca de alguma reação, emoção ou gemido. Paula rezando, apenas rezando.

Foi quando senti falta de alguém para cuidar de mim e das minhas coisas. Coisas! Tipo assim, passar minhas roupas, lavar a louça, dar uma geral no apartamento. Uma profissional do ramo, não necessariamente para dormir no serviço. Uma diarista talvez. Botei anúncio na portaria e conheci a Neuza.

 
 

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