NANA E SEU ANJO TORTO
Leila Silva

 

Nana sabia do que ele era capaz. Era capaz de matar, muito capaz, pois era essa mesma a sua profissão, matador. Ele nunca lhe disse, ela nunca perguntou, mas sabia e fingia acreditar que ele fosse um bom vendedor, à hora da janta fazia as perguntas de acordo, nunca se espantava com a incoerência das horas. Um vendedor que vira e mexe sai da casa para trabalhar depois da meia-noite? Perfeitamente normal, Nana aplicava-lhe um beijo e deseja bom trabalho.

Um dia, à hora do café da manhã, ela falou-lhe sobre a sua vida de criança pobre, num bairro pobre e lembrou-se dono da venda que, sem nenhum respeito pela sua infância, tentava tocá-la, oferecia-lhe bonecas....Ela fugia, mas a mãe, incapaz de entender que não era por preguiça que Nana objetava, enviava-a sob impropérios, quase diariamente, para as garras do monstro. Só anos mais tarde o ódio brotou. ‘Luís, o nome dele é Luís, seu eu pudesse, eu matava aquele filha da puta’. O filho da puta só viveu mais quinze dias. Um dia falou-lhe de um caso antigo, um homem a quem tentara amar e ele só fizera se aproveitar dos seus bons sentimentos, tivera a ousadia de esbofeteá-la, uma só vez, uma só vez, mas que vez! Nana não podia esquecer. “Se eu pudesse, matava aquele ordinário!” Completou olhando bem nos olhos dele, quase a chorar. Ele abraçou-a enternecido, beijou os seus olhos e....menos de um mês depois o ordinário já não mais vivia.

Foram muitos anos, muitos almoços, cafés da manhã....Tantas as vezes que Nana utilizou o seu anjo torto para corrigir o passado, tantas, tantas foram as horas felizes ao lado dele....Mas um dia Nana acordou triste, uma tristeza tão profunda que nem a dedicação do seu anjo pode arranjar. Uma noite ela o acordou e, no meio da escuridão, disse-lhe: “Eu sou tão triste, tamanha é a minha dor que, seu eu pudesse, eu me matava.” Ele abraçou-a chorando, beijou os seus olhos, levantou-se, acendeu a luz, pegou a sua mala pôs ali os poucos pertences e despediu-se dizendo: “Nana, minha Nana, já não há mais nada que eu possa fazer por você, adeus.”

 

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.