NINGUÉM SABE O QUE SERÁ
Anna Carolina N. Fagundes

But there is one thing I can never give you:
My heart will never be your home.
(Oasis, “Stand by me”)

Casamento no interior, aquela confusão de amigos e parentes perdidos na estrada, gente se telefonando atrás de informação, suspensão de carro reclamando dos buracos. No jipe, tentando desafiar a capacidade máxima do banco de trás do carro, iam Nina, Lucas, Mussarela e o Noel, este último visivelmente emburrado. No banco da frente iam Leila e Dirceu, este último dirigindo.

- Onde é que a gente tem que virar mesmo? – Dirceu perguntou. - No posto de gasolina “Flor do Rio” – Nina respondeu – Logo ali, olha.

Viraram à esquerda no posto. Dali para a frente a estrada só pioraria. Pelo menos doze quilômetros em estrada de terra, cheiro de mato e poeira subindo à toda velocidade. Noel deu um longo suspiro. Por que foi que ele aceitara vir, afinal?

**

Ele e a noiva, a mulher que convidara a turma para aquela cerimônia – Adriana do cabelo loiro, do riso fácil – namoraram por muito tempo. E agora ela estava se casando com um idiota, dono da fazenda onde a cerimônia aconteceria. O casal convidara os amigos de São Paulo para passar a noite por lá. Noel não queria ir, embora tivesse recebido o convite. Mas fora. Não que quisesse ver o grande amor de sua vida se casando, mas precisava ter certeza que não era um pesadelo.

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- Arre, chegamos!

Dirceu estacionou o jipe e os amigos saíram, carregando malas e mochilas, reclamando do aperto e dos solavancos do carro. Os anfitriões esperavam. Adriana estava linda, com um sorriso que valia o peso dela em ouro e diamantes. O grupo foi separado dentro da casa grande – Leila, Dirceu e Mussarela ficaram numa ponta, e Nina, Lucas e Noel em outra.

Noel dormiria sozinho em um dos quartos de hóspede. Agradecera por isso – não estava com humor para falar com ninguém, especialmente com Mussarela, eterno otimista que lhe dava nos nervos, ou Nina, afilhada de casamento, que parecia lhe entender mais do que ele mesmo. Queria e precisava ficar sozinho.

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À noite, os convidados se reuniram numa roda perto de uma fogueira. Mussarela e Dirceu tocavam violão, um bando cantava, uma grande bagunça. Nina percebera, no meio da confusão, que nem Adriana nem Noel estavam por perto. Adriana, ela não imaginava onde estava. Noel, ela poderia apostar que estava no quarto, trancado e emburrado.

Na verdade, Adriana estava com ele, num canto escuro da escadaria que levava ao pátio, um beijo arrancado à força, e entregue não tão à força assim. Por um instante, ela parecia a mesma mulher de sempre, mas algo – um som, uma palavra, um gesto distante – acontecera, e ela fugira, voltara para perto da fogueira, sentara ao lado do futuro marido como se nada tivesse acontecido.

E aí sim Noel fora para o quarto, entristecido,estraçalhado.

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No dia seguinte –o dia do casamento— ninguém vira Noel sair. A porta estava fechada. Os amigos do jipe acharam melhor não incomodá-lo, e foram para a cerimônia: roupa nova e de festa, as moças tomando cuidado para não pisarem com os saltos no barro de terra roxa.

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Noel, sentado na cama, com as costas apoiadas na parede, olhava para uma foto dele com Adriana – no tempo em que ele fora feliz e sabia, em que nada nesse mundo seria melhor do que viver e morrer ao lado dela. Ela sorria.

Na mão direita, firme como sua decisão, ele segurava um revólver.

Respirara fundo, pensara mais uma vez em Adriana, e apontara o gatilho contra sua cabeça.

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Nina, muito tempo depois, relembraria o dia em que encontrara o corpo de Noel no quarto, e o testemunho que dera à polícia local quando da investigação pela morte. Lembrara que, no meio da confusão, Adriana viera, vestida de noiva, e se ajoelhara perto do corpo sem vida do ex-namorado e por lá ficara, observando em silêncio a cena, sem saber o que dizer. Nenhuma palavra, nenhum testemunho soaria mais alto do que aquele tiro que ninguém ouvira. Pelo menos para ela, única fiduciária do segredo que o revólver escancarara.


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