A CRIANÇA QUE AINDA MORA EM MIM...*
Yoshie Furukawa

 

Quando era criança costumávamos brincar de queimada, esconde-esconde, jogar taco, pique, até bolinhas de gude eu joguei com meus irmãos. Me recordo do meu pai bravo me chamando para dentro de casa porque “onde já se viu, uma menina ficar brincando com um bando de moleques!”. Hoje até por falta de espaço e limitações são poucos os enfantes que têm a sorte de poder desfrutar de serem o que são realmente. Vejo aos montes garotos em frente ao computador, ou vídeo games. Nos shoppings, aqueles brinquedos que você precisa comprar ficha e se divertir com as máquinas.

Realmente, as coisas mudam... Não me lembro de ter que ficar mostrando um brinquedo na escola às sextas-feiras, um brinquedo da moda para poder me enturmar. Talvez por ter morado um tempo na fazenda e estudar numa escola perto, nos satisfazíamos com as brincadeiras que tínhamos.

Também não me recordo de tão cedo como aos oito, nove anos estar já pintando as unhas, ou fazendo luzes nos cabelos com dez, como reparei em algumas meninas. Naquela época talvez as meninas da minha idade tentassem colocar seus pés dentro dos sapatos da mãe, aqueles de salto alto, e depois colocar algum colar que achavam perto do espelho, ficar escovando os cabelos num reflexo dos atos maternos e se divertiam com as maquiagens das festas juninas ou apresentações da escola.

Talvez por ser caçula e estar sempre cercada de irmãos eu não precisasse suprir alguma carência com algum brinquedo novo, mas brincadeiras novas eram sempre bem vindas, eram pacotes diferentes de se abrir. Nos faziam gastar muita energia, ter bastante apetite e dormir um sono bem pesado.

Tantas coisas mudaram e eu não. Será que estou ficando careta? Me pego algumas vezes pensando nisso, mas prefiro pensar que estou melhor do jeito que estou agora.

Acho que por algum motivo, essas lembranças ficaram na minha mente e não me atrevo a sair tanto de casa. Descobri outras formas de brincar, mas mais sozinha já que cada um seguiu seu curso de vida. E de uma coisa tenho certeza, essa infância rica apesar de ter consciência na época de que meus pais estavam recomeçando suas vidas, me ajudaram a dar valor a muitas coisas , assim como aprender. Prestar atenção ao meu pai cantando, ler o que podia ler, algumas vezes me pegava escrevendo sozinha sem saber escrever direito, tentava fazer de conta que era uma professora ou alguém como agora em frente ao computador compondo letras. Adorava ver os álbuns de família, queria saber de onde vinha, como foi o casamento dos meus pais, como cresceram meus tios, o lugar que minha mãe estudou comparado à descrição que ela tinha feito. Essa liberdade maior de espaço deu abertura para que pudesse desenvolver mais minha sensibilidade.

E toda vez que escrevo, desenho ou canto algo que me deixa com saudades como agora, percebo que não perdi os valores de antes, que ao longo desse tempo se lapidaram, mas não perderam sua essência, pelo contrário, estão mais vivos.

Quando estou perto de alguma criança e fico brincando e rindo é que tomo mais consciência disso.

Espero que as pessoas possam redescobrir todos os dias essas crianças que talvez deixaram para trás.

 

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