LINA
Luisa Jardim

Há um ditado popular que diz que “de louco todos têm um pouco". Será mesmo? Claro que todo mundo, de vez em quando, faz algumas coisas esquisitas, mas estou certo de que nem sempre isso significa que a pessoa está louca.

Entre os 13 e os 15 anos, Lina (era assim que ela gostava de ser chamada, pois não podia nem lembrar que seu nome era Brasilina, uma homenagem do pai à capital, que aniversariava no mesmo dia de seu nascimento), dava todas as provas de insanidade. Era a perfeita "menina maluquinha".

Para acompanhar o vestido e os sapatos que a mãe exigia que ela usasse na missa de domingo, colocava uma meia de cada cor (uma verde outra lilás, num domingo, uma azul outra amarela, no outro).

Certa vez quase matou o irmão de vergonha, cantando sua música favorita, em alto e bom som dentro do ônibus, no meio de uma porção de gente desconhecida.

Em um dia de inverno, apareceu com um short bem curto (junto com casaco de couro e cachecol de lã), com perigo de congelar as pernas, só para chamar atenção do pessoal do Colégio.

Teve um ataque de riso durante o velório do marido da tia, a ponto da avó arrastá-la para fora aos safanões e sua prima passar dois anos sem falar com ela.

Picotou o cabelo, durante uma dessas "crises de 5 minutos" que vira-e-mexe todo mundo tem, e, para completar, tingiu o que restou de vermelho, com uma faixa roxa, estilo mohicano no alto da cabeça.

Na formatura do primo mais velho, apareceu de mini-vestido e usando os tênis mais encardidos que encontrou no guarda-roupa com meias soquete.

Volta e meia aparecia na sala de aula vestida de pijama (nem sabia contar quantas vezes a mãe foi chamada no Colégio para “conversar” com as professoras).

Ligava o rádio no último volume, no meio da madrugada, só para atormentar a vizinhança.

Contava para todo mundo que tinha um amigo marciano e deu nome às vozes do anjinho e do diabinho que dizia ouvir dentro de sua cabeça. Assim, conversava e discutia consigo mesma (ou com Gabriel e Sarapatel) andando pela rua, sozinha!

Na verdade, parecia que ela sempre se divertia muito quando surpreendia a família, os professores, os colegas, até que ele se mudou para o bairro. Com 20 anos, já estava no terceiro ano da Faculdade de Direito, andava com o cabelo bem penteado e a calça jeans bem passada. Fingindo displicência, Lina arrancou de uma vizinha todas as informações sobre o galã que agora morava na vizinhança: era estudioso, filho único e já começava a trabalhar com o pai, como estagiário no escritório de advocacia.

Quem primeiro notou que havia alguma coisa esquisita foi o irmão. Na hora do almoço, numa quarta-feira de junho, ele comentou com a mãe que alguma coisa estava acontecendo com a Lina – ela saíra para a escola naquela manhã muito diferente do habitual, de saia combinando com a blusa e sapatos (imagine, havia tirado os tênis encardidos!). A mãe mandou que ele parasse de implicar com a irmã, mas decidiu prestar atenção na filha e ficou espantada quando a garota chegou no dia seguinte com uma cartela cheia de presilhas para cabelo, com desenhos de borboletas e lacinhos (uma delas já prendendo a trança bem feita que ela ostentava no “rabo de cavalo”). O que estaria acontecendo com a menina?

E a família, ainda sem entender direito, começou a notar as mudanças que iam gradualmente acontecendo: nada mais de rádio a todo volume, agora ela estava sempre ligada em programas da FM52; ouvidos baixinho no seu quarto; era a primeira a passar os olhos no jornal para “saber o que ia pelo mundo”; beijava os pais quando saía; fez uma limpeza no guarda-roupa e pediu para a mãe dar ou jogar fora os tênis velhos, a blusas cheias de franjas, os jeans rasgados (ultimamente usava tudo combinado).

Ainda tinha umas recaídas, claro ... a mãe a pegou um dia conversando com o Gabriel e pedindo a ajuda dele para alguma coisa que ela queria muito.

No Natal daquele mesmo ano, Lina levou para jantar em casa,o vizinho, que “havia recentemente passado para o 4º ano do Curso de Direito”. Em junho eles ficaram noivos e se casaram em fevereiro do ano seguinte, logo após a formatura dele.

Estranho, quem mais se emocionou, chorou mesmo, no casamento foi o irmão – o tempo todo ele só se lembrava, cheio de saudade, da Lina maluquinha, da doidinha varrida da sua irmã que desaparecera com o fim da adolescência.

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