JANE
Claudio Alecrim Costa

Jane era uma pedra preciosa que brilhava em minha atormentada cabeça. Perdia-me em seus mistérios como um garoto que descobre os primeiros prazeres. Havia amado antes, mas não conseguia me aproximar daquela mulher com sorriso terno de uma criança e modos aristocráticos. Podia sentar-se à mesa como uma dama e ser cortejada por todos homens do mundo. Transformava-se, no entanto, em uma mulher comum e sexualmente previsível. Eu temia esse lado de Jane. Nutria um sentimento desconhecido, guardado dentro de mim como uma doença que lentamente me consumia.

- Como está a comida? (Me perguntou enquanto olhava fixamente para mim).
- Ótima...E a sua? Come tão pouco...
- Para mim isso basta...
- O que vai fazer hoje?
- Gostaria de sumir por uns tempos...Desaparecer...(Arrisquei a loucura que tanto combinava com ela).
- Ficar invisível?
- Não quero ser sempre eu mesmo...Quero me transformar em alguém que jamais fui...
- Louco!

Ela sorriu suavemente. Tinha olhos orientais e cabelos negros que se espalhavam pelo rosto. Era quase inaudível quando falava. Eu a sentia como uma explosão abafada dentro de mim. Se estivesse dançando, perderia o passo. Tentava me equilibrar em uma corda bamba que não se prendia a nada, surrealista como Breton, como nossas vidas quando somente nós a habitamos. Sentia a distância de Jane e os estilhaços do meu coração pela dor anunciada. Sua presença me trazia paz e pânico. Queria que o tempo parasse. Queria enlouquecer serenamente.

- Vamos tomar um soverte? (Levantou e pegou sua bolsa esquisita)
- Sorvete?
- Vamos logo!

Saímos do restaurante sob um céu de concreto que me fez sentir feliz sem estar. Meus sentimentos eram movidos pelos dela. Tornara-me um reflexo sem imagem definida, encoberto pela bruma fria daquele dia, multiplicado na expressão rígida das pessoas sem nome que cruzavam nosso caminho.

- Eu te amo...(Falei)
- Está doido?
- Não gosta de mim?
- Não sei...
- Não sabe?
- Eu gosto de você...
- Mas não me ama...

Nos abrigamos num velho prédio, mudos, apenas nos tocando com as mãos molhadas e hesitantes. Havia acabado. Eu me apressara. Não agüentava mais a tortura do segredo. Preferia ter um braço amputado ao carinho fraternal de Jane. Era compulsório. Deveria me amar. Estava errado, mas não podia conter o sentimento aprisionado. Com o coração acelerado, aguardei a sentença.

- Eu amo você também...
- Ama?
- Não desse jeito...
- Não precisa continuar...
- Desculpe...

No caminho para casa de Jane, o chão espelhava minha imagem deformada dentro de pequenos lagos crispados pelo vento, onde meus pés afundavam encharcados.

- Eu fico aqui...(Abreviou Jane).
- Toquei seus lábios permissivos com os meus...

Antes de fechar a porta do prédio, encostou seu rosto no batente e sorriu para mim. A história não havia acabado. Nunca acabaria. Meu amor fugaz, os planos que fiz, as fantasias que construí e os sonhos que guardara me levariam sempre ao início de tudo.

 

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