LEMBRANÇAS
Cristina Del Nero

- Nossa, olha o que eu achei, nem me lembrava mais.
- Do que?
- Disso - diz a mulher, levantando um estilhaço de vidro vermelho acima das caixas de papelão da mudança.
- O que é isso?
- Você não se lembra? Isso é o que sobrou da lanterna em forma de coração que você me comprou na nossa viagem de lua-de-mel.
- Eu jamais compraria isso!
- Ah, mas você comprou. E se eu não me engano, a luz era vermelha. A gente usava quando brincava de cabaninha.
- Cabaninha?
- É, na cama! A gente apagava a luz, tirava a roupa e ... pera aí, nem da cabaninha você se lembra?
- Honestamente?
- Mas você dizia que era uma de suas fantasias sexuais preferidas! Pena que ultimamente você nem sabe mais o que é sexo!
- Não vai começar... Pior é você que nem se lembrava que eu te dei essa lanterna em forma de coração ...
- Essa coisa ridícula?
- Ridícula? Eu vou te mostrar o que é ridículo - diz o marido, levantando um pedaço de trapo.
- O que é isso?
- Isso fazia parte do jogo de sete cuecas que você me deu no nosso primeiro aniversário de casamento. Cada uma com um dia da semana bordado na frente.
- Duvido!
- Pode olhar ó ... essa era a da 2ª feira, a única que sobrou.
- Também né, você sempre chegava cansado!
- Então você se lembra?
- Mais ou menos ... você chegava em casa, eu vinha correndo da cozinha e falava: " Amor, hoje é 4ª ou 5ª feira ..."
- Aí eu tirava as calças e a gente fazia ... cabaninha!
- Ahhh, lembrou, hein?
- Depois você ligava a lanterna ...
- A luz era roxa. É isso mesmo, roxa!

Suspiros.

- O resto da lanterna está aí?
- Essa cueca ainda serve em você?
- Vem cá, vem, vamos fazer cabaninha no meio desse monte de caixas de papelão.
- Mas a gente não está se separando?
- Deixa pra lá, pergunta se hoje é sábado ou domingo.
- Hoje é 2ª.
- Xiii, então vamos correr que o caminhão da mudança deve estar chegando.


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