O ESTILHAÇO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães


Guardo no peito um pedaço de metal que quase me tirou a vida. Um estilhaço de granada. A guerra era de mentirinha, as balas eram de festim e a granada era de verdade. Éramos um bando de garotos. Mais para viver sem razão que morrer pela pátria. E treinávamos, e pulávamos cercas, e rastejávamos, e capturávamos o inimigo. Uma festa.

Era tanta fumaça e tanta explosão que nem me dei conta de que havia sido atingido. Quando a rosa vermelha do sangue brotou no verde da farda achei que fosse efeito especial. Aí apaguei e acordei na cama do hospital militar dias depois. Não ganhei medalha de ferido em combate e dei baixa meses antes que o restante da tropa.

Este pedaço de metal que trago guardado no peito (o médico disse que se o extraísse havia risco de morte) me salvou a vida noutra guerra. Essa de verdade com balas que fazem estragos.

Uma tarde de domingo, justamente eu que detesto futebol, caí de pára-quedas bem no meio de uma briga de torcidas. De repente um cara fumado surgiu na minha frente todo confiante, sacou de um cano, apontou para o meu peito e apertou o gatilho. A rosa vermelha veio outra vez à tona. Difícil de acreditar, mas a bala que me era endereçada ricocheteou bem no meu estilhaço de granada - aço do bom - e resvalou. Antes que o cara pensasse em dar o segundo tiro, arranquei o revólver da mão dele e dei-lhe um tiro bem no meio das fuças. Azar dele que só tinha um piercing para protege-lo. O parceiro dele, quando sentiu a barra pesar, quis cair fora; e eu resolvi testar minha pontaria. Modéstia à parte até que atiro bem. Tenho certeza de que o Exercito Brasileiro perdeu um ótimo atirador; pois alcancei o sujeito a mais ou menos umas 150 jardas, bem abaixo da nuca e o bicho desabou com um baque que nem um porco. Porco? Bem lembrado. Era isso que estavam cantando antes de eu começar a atirar.

 

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