A RUA, LEITO DE MORTE
Juraci


Estilhaços de pedras, marretadas na cabeça, sacola de roupas jogadas no cesto de lixo fazem parte do cotidiano de Lucas. Sim, do Lucas; foi assim que ele disse se chamar. A cada encontro meu com ele pergunto o seu nome e a cada resposta sua um nome novo. Documento nenhum. Carrega um saco nas costas e em qualquer lugar, debaixo de uma ponte, de uma árvore, de uma marquise qualquer, constrói sua casa de sonhos. Sonhos de um dia encontrar a família, a terra natal distante ou perto, não sabe.Imaginação fértil de vinte e quatro horas por dia. Não tem mais nada para fazer, só imaginar no impossível. Nunca dorme direito, tem medo ainda apesar de adulto. Muitas histórias, cada dia uma diferente. Já anda acostumado com a visita da fome, da dor, da saudade, mas o que lhe dói mesmo é a solidão que lhe rói o espírito. Não sabe de casa, não tem família, acredita ele.

- Você não está precisando lavar o carro, de cortar uma lenha? Não precisa pagar é so por um prato de comida ou de um lugar para espichar meu corpo cansado de vagar. A rua está mais perigosa... fala baixinho, quase pensava Lucas. Parecia falar para si mesmo, desiludido de esperança, sempre levava negativa desaforada.

- Não tenho carro nem fogão a lenha, eu respondo com um sorriso triste tirando da bolsa uns trocados para um jantar magro do dia. O esôfago sempre estreito de tanto não ter o que comer.

- Um colega meu foi atacado esta noite e amanheceu morto. Tenho medo da mão da noite, do carro que leva a morte, disse-me.

Sempre que o encontrava, e o encontrava com freqüência, era a mesma conversa de tristeza. Passou a me conhecer e a gostar de falar comigo. Os olhos brilhavam quando eu estava caminhando por perto. Mas Lucas estava preocupado com a pancada que mata na escuridão da noite fria. Ninguém via, não queriam ver. Um corpo inerte aqui, outro acolá e não foi ninguém. Incógnita. Entre os arranha-céus todas as vidraças têm olhos e bocas mudos. Até as fitas das câmeras precisam de recortes, ou para ser mais precisa, de retoques. Lucas nunca tinha certeza de nada, falhava a memória, fraca talvez. A única certeza é que a calçada é dura e às vezes lhe faltam jornais em noites de inverno. Será que ao nascer do novo dia ainda vai precisar de jornais?

 

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