A CANETA E O MACHADO
Marcelo Paradyse

 
O jovem caminhava cabisbaixo por entre árvores do tronco retorcido e copas largas, que pouco deixavam aparecer as nebulosas e o céu cinzento daquele dia nublado.

O chão estava coberto com uma pequena porção de estilhaços de madeira de lenha, que bem se confundiam com os fragmentos mentais que restavam depois de se percorrer o longo caminho em direção a resposta que atormentava aquele ser.

Parecia ainda mais sombria a imagem do casebre de madeira opaca, que porém prometia conter em seu simples interior, a luz radiante que traria o remédio para aquele momento desconfortável. O jovem empurra a porta.

- Ahuê! Mestre !
- Huê , filho.
- Um mal se abateu sobre mim ,mestre. Não sinto mais vontade de escrever.
- Prossiga, filho.
- Tudo que escrevi ontem, parece péssimo, e a certeza de que tudo que escrevo hoje, não passará de palavras vazias amanhã, me desmotiva. O que faço, mestre?
- Lembra das coisas que falamos ontem?
- Sim. A resposta está nisto?
- Não. Esqueça tudo. Parece tudo idiota agora.
- O que devo fazer então mestre?
- Volte Amanhã, com certeza direi coisas mais importantes que qualquer palavra dita hoje.
- Se é assim mestre, ahuê ....
........

Os feixes de luz cortavam a paisagem da floresta que brindava o amanhecer ensolarado com uma leve brisa relaxante, acompanhados da sinfonia perene de cantos e ruídos dos animais selvagens, que compunham com maestria a obra prima da natureza soberana.

O vento cuidara de varrer da trilha os restos imprestáveis de lenha que miravam no casebre que se encaixava com perfeição naquele ambiente que retratava a mais pura e bela imagem da beleza e sintonia do universo. A porta se abre lentamente.

- Estava a minha espera, mestre? Como sabia?
- Não sabia, estava indo cortar lenha para preparar um chá. Entre, filho.
- Escrevi este texto hoje, antes do amanhecer. Sinto que é a melhor coisa que tintei até hoje, ficaria feliz se você o lesse.
- Deixe-o sobre a mesa, amanhã eu leio.
- Mestre. Todo mundo sente isso? Digo, todas as pessoas tem a sensação que tudo que escreveram ontem não passa de pura idiotice?
- Não, filho. Algumas pessoas gostam de contemplar sempre as mesmas paisagens.
- Isso quer dizer que elas não evoluem?
- Não, filho. Quer dizer que a paisagem é sempre a mesma, mas a alma não. A riqueza está em encontrar um detalhe mágico hoje, na mesma coisa que você tinha visto ontem e não percebeu. Só existe o fogo porque há a lenha. A lenha queima, o fogo aquece e sobram as os estilhaços que indicam que se cortou a madeira. O ovo que ontem proveu o milagre da alimentação, hoje não passa de cascas inúteis, que se perderão no lixo. Todo estilhaço gerado, é resto de algo que já foi útil, em sua plenitude.
- Olha, mestre. Acho que este será o dia que vai marcar minha vida. Consegui escrever o melhor texto, descobri que posso enxergar coisas diferentes em situações que parecem as mesmas. Olha só, ontem você estava certo quando falou que só hoje diria as palavras que eu precisaria ouvir. Duvido que fosse possível eu crescer tanto se nossa conversa tivesse se estendido no dia de ontem. Você não acha?

Um estrondo adia a resposta por alguns segundos, seguido de forte clarão que anunciava a eminente precipitação que chegaria brevemente.

- Isso você mesmo responderá, filho. Mas só amanhã. Uaht.
- Uaht, Mestre.

 

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