TRÊS MARIAS
Vic Laurel

 

Eles se conheceram quando o mundo estava em guerra. Eles se conheceram numa passeata pela paz. Eles se apaixonaram quando usaram as formas de protesto mais clichê possíveis: enquanto ele se amarrou à porta de uma embaixada, ela colocou uma margarida no cano de uma pistola. Ficaram se olhando por uns segundos, riram da patética cena e, depois de alguns instantes, ela lhe ofereceu a flor, obrigando-o a soltar os pulsos para aceitá-la. Dali voltaram para a casa dele, de onde só saíam para novas passeatas: sempre Alberto e Maria, o par de algemas e uma margarida.

Um dia ele acordou e ela não estava na cama. Pensou que ela pudesse ter ido sem ele, mas não entendia por quê. Não era dia de passeata, ele poderia jurar que não. Mas vestiu a roupa branca, pegou seu inseparável apetrecho e foi em busca de Maria. Não a encontrou.

Tornou a procurar no dia seguinte; depois esperou por uns dias que ela voltasse; acabou desistindo de esperar. Não ia mais às passeatas, sem a margarida de Maria não tinha tanta graça. Não se importava mais com a paz do mundo, porque não a tinha sequer no próprio peito. Uma manhã ele se deu conta de que sentia o coração meio vazio, como se faltasse um pedaço. Ele não admitiria, mas a verdade era que não se importava em viver. E não havia nada mais fácil naqueles tempos do que morrer dignamente.

Foi combater na França invadida. Não deu um tiro. Ainda não acreditava na violência, o problema era que também não sabia mais o que era a paz. Ainda pensava em Maria, não conseguia entender. E foi pensando nela que ele ouviu o estrondo e sentiu o baque surdo. Um tiro, uma bala.

Poucas semanas depois ele estava de volta à sua casa, surpreendentemente recuperado. Os médicos consideravam um milagre que tivesse sobrevivido. A bala fora retirada, mas alguns fragmentos se alojaram no coração, três pedaços encravados na superfície do músculo. Os estilhaços, que enchiam seu peito novamente, ele carinhosamente chamou de Três Marias.

E a Maria, a primeira, nunca mais voltou.

 

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